domingo, 26 de julho de 2009

Sistemas Mistos: Caso Alemão


Os sistemas mistos tentam combinar elementos dos sistemas proporcionais e dos sistemas maioritários. Massicotte e Blais definem os sistemas mistos como “combinação de diferentes fórmulas eleitorais – pluralidade ou representação proporcional; ou, então, maioritário ou representação eleitoral – para a eleição de um mesmo órgão”.
Após esta breve definição, irá ser analisado o caso alemão para se tentar perceber a evolução que este país sofreu no seu sistema eleitoral.
Os eleitores, na Alemanha, têm dois votos: Um para o candidato num único membro de distrito e outro voto para o partido numa lista fechada. Os eleitores podem votar estrategicamente em diferentes partidos nos dois boletins de forma a influenciarem a formação de coligações.
O sistema eleitoral alemão, segundo Thomas Saalfeld, sempre foi visto como o arquétipo do Sistemas Mistos Proporcionais (SMP), que foi um modelo influente no projecto dos sistemas eleitorais pós-comunistas e pós-autoritários, bem como, na reforma dos sistemas eleitorais das democracias liberais mais “velhas” (Shugart and Wattenberg 2001).
O actual sistema eleitoral alemão é um sistema misto proporcional com sistema de dois níveis de distritos (“two-tier districting system”). Jesse (2001) caracteriza-o como um “sistema de representação proporcional, com restrição de uma cláusula-barreira de 5%. Cada eleitor pode votar duas vezes, isto é, um voto para o membro único do distrito (single-member district, abreviando SMD) e outro voto para uma lista com 16 partidos para o local (Land) onde reside. Os 598 lugares, onde 299 são SMD e 299 são lugares de lista (list seats), são alocados entre os partidos dependendo do número agregado de votos moldados para a lista “Land” dos partidos. O número de lugares no nível alto varia entre dois e 64, dependendo da respectiva população, ou seja, a região com população mais pequena fica com, pelo menos, quatro lugares e a maior fica com, pelo menos, 128 lugares na Bundestag. Para determinar e compor a Bundestag são usados quatro processos. Em primeiro lugar, todos os partidos que não consigam ultrapassar a cláusula-barreira dos 5% e não tenham ganho pelo menos três lugares de distrito directos, são eliminados da distribuição proporcional de lugares. Em segundo, a quota de LR-Hare é usada para calcular quantos lugares os partidos podem ocupar. Este cálculo é baseado no número total de segundos votos para cada partido a nível nacional. O terceiro passo determina, com a mesma quota, quantos candidatos de cada partido são seleccionados de cada “Land”. Este terceiro passo não é, contudo, aplicado ao partido CSU, uma vez que só concorre na Bavaria. Por fim, os vencedores de cada distrito são deduzidos do número de lugares para cada partido e a proporcionalidade é estabelecida, seleccionando-se o número de candidatos apropriados através das listas dos partidos. Os lugares em excesso, sem compensação para os outros partidos, tornaram-se a fonte mais importante de desproporcionalidade desde a unificação alemã, beneficiando, assim, os maiores partidos. Isto deve-se ao facto de que as listas dos partidos são feitas a nível local e não a nível nacional.
Pode-se afirmar que, segundo Saalfeld, existe um impacto no sistema partidário, uma vez que com a cláusula-barreira de 5% do nível regional para o nacional e com o reajuste de um lugar de distrito (one-district-seat) para três lugares de distrito (three-district-seat), reduziram largamente as oportunidades de alguns partidos regionais desempenharem papéis importantes a nível nacional. Assim, e embora o sistema eleitoral não obstrua novos participantes no mercado de partidos políticos, fornece, sim, aos partidos já estabelecidos algum espaço de manobra para responder aos desafios levantados pelos novos partidos.
A lei da República Federal apoia a descentralização dos principais partidos políticos alemães. A selecção dos candidatos do círculo eleitoral é controlada pelas organizações locais do partido e as listas para a “Land” são compostas em congressos das respectivas organizações dos partidos da “Land”. Muitas vezes, assiste-se às organizações dos partidos da “Land” a compensarem os candidatos dos círculos eleitorais com uma elevada posição (rank) na lista do partido, a fim de criar uma rede segura. Inversamente, os líderes de partidários regionais esperam por puros candidatos da lista do partido e encarregados, eleitos pela lista dos partidos, para funcionar em campanha do círculo eleitoral. Uma implicação importante é que os vencedores directos não têm um monopólio de representação do círculo eleitoral. A saliência das organizações partidárias, locais e regionais, no processo da nomeação e no serviço do círculo eleitoral de todos os Membros do Bundestag (MB) e dos candidatos, evita o desenvolvimento das duas distintas classes nos MB.
Não há nenhuma evidência que sugere que as variações na composição sócio-demográfica do Bundestag estejam ligadas às alterações legislativas eleitorais. No que diz respeito ao número de mulheres nos Membros da Bundestag, este aumentou de 7% em 1949 para perto de 1/3 em 2002. Contudo, as mulheres ainda estão longe de serem eleitas ao nível SMD. A percentagem de MB com nível de educação alto aumentou significativamente, outros indicadores sócio-demográficos continuaram seguramente constantes. Nenhuma destas alterações pode ser atribuída ao sistema eleitoral, uma vez que este permaneceu, desde 1956, inalterado. Pode-se, então, afirmar que o sistema misto alemão não produz duas classes distintas no MB. Segundo Klingemann and Wessels, sugerem que há diferenças estatisticamente significativas na auto-definição dos Membros da Bundestag eleitos directamente.
Stratmann e Baur encontraram que diferentes modos de eleição têm, também, consequências significativas no comportamento. Membros da Bundestag eleitos directamente num círculo eleitoral tendem a ser membros do comité que lhes permitem, assim, servir geograficamente círculos eleitorais. Membros da Bundestag eleitos por lista de partido tendem a ser membros de comités que servem de manutenção aos círculos eleitorais mais largos.
Jesse (2001) afirma que o voto estratégico, no que diz respeito ao voto personalizado, é restrito a alguns casos ocasionais. Um pode adicionar que os eleitores não têm nenhuma escolha do candidato dentro dos partidos ao do sistema eleitoral. Algumas investigações parecem apoiar a avaliação céptica do elemento personalizado. Bawn (1999), por sua vez, usa os níveis do distrito agregados para demonstrar que as eleições entre 1969 e 1987 são estatisticamente significativos, uma vez que são consistentes com a noção de um eleitor racional consciente, bem informado e que explora as oportunidades estratégicas de usar um voto personalizado.
Um dos principais objectivos – que foi atingido – das leis eleitorais introduzidas entre 1949 e 1956 era desenvolver um sistema justo e legítimo que evitasse dois dos maiores problemas da fragmentação da República de Weimar: A fragmentação do sistema partidário e instabilidade governamental. Após a consolidação do sistema do partido de república federal nos anos 50 e nos princípios dos anos 60, a estabilidade governamental foi relativamente elevada.
O sistema eleitoral é somente um entre diversos factores que contribuem para as condições favoráveis para a coligação de partidos no governo. Há diversos factores, tais como a política da centralidade (Smith 1976), na rápida recuperação económica após 1948, e na capacidade dos dois partidos principais, democratas-cristãos em particular, integrar os partidos potencialmente extremistas que representam, por exemplo, os interesses dos refugiados alemães de Europa Leste.
Em suma, a criação do sistema do misto alemão foi o resultado da aprendizagem e das elites históricas, que negociaram entre os partidos políticos relevantes. Reflectiu, assim, o interesse pessoal político dos actores, bem como, o interesse para a estabilidade e a legalidade do sistema político emergente de república federal. Embora o sistema eleitoral parecesse ter cumprido o seu objectivo, isto é, mantendo, por um lado, a equidade e legalidade e, por outro lado, criando condições favoráveis para níveis elevados da estabilidade parlamentar, este foi contestado até finais da década de 60. A cláusula-barreira de 5% protegeu, em certa forma, os partidos já estabelecidos dos novos partidos, dando-lhes, assim, algum espaço para ajustar as suas políticas.

Eleições de Segunda Ordem

Pode-se afirmar que as eleições não são factos independentes das democracias quando estas têm por base um sistema partidário estável e já bastante consolidado. Isto determina que os resultados, de eleições consecutivas na mesma arena política, sejam bastante semelhantes aos da seguinte. Aplica-se, também, a eleições de diferentes níveis de um sistema político em que as eleições de nível principal propendem a influenciar os resultados das eleições a outros níveis – nomeadamente as eleições de segunda ordem. Como nos diz Campbell “os resultados das eleições intercalares americanas relacionam-se de uma forma característica com os das eleições presidenciais precedentes”.
Karlheinz Reif e Hermann Schmitt identificam dois tipos (ou categorias) de eleições que estão interligadas. Uma é geralmente muito importante à qual se designa eleições de primeira ordem. Estas, decidem quem ganha o poder e quais as políticas que irão ser administradas. A segunda categoria de eleições denomina-se de eleições de segunda ordem que são apreciadas como sendo menos importantes, uma vez que há menos coisas em jogo e, assim, assiste-se a um “voto com o coração” por parte do eleitorado. Temos, como exemplo, as eleições subnacionais, eleições supranacional dos deputados do Parlamento Europeu (Reif e Scmhitt, 1980). Como nos diz Schmitt, nas eleições de segunda ordem – em particular as eleições para o Parlamento Europeu – os resultados diferem das eleições de primeira categoria.
Centrando-nos um pouco em Portugal e nas eleições europeias de 2004. Podemos dizer que as eleições europeias, em Portugal, decorrem desde 1987 (Filipe Nunes), um ano depois da adesão à, então, CEE. Com base nos modelos do comportamento eleitoral e das teorias das eleições de segunda ordem, serão apresentadas questões que influenciam o caso português e, também, analisada de uma forma geral e sumária o resto dos países europeus.
Contudo, e antes de se passar às análises, convém abordar um pouco mais o conceito das eleições de segunda ordem. Como tal, existem três importantes modelos “de análise do sentido de voto e da participação eleitoral” (Filipe Nunes). São eles: O modelo sociológico, o sócio-psicológico e, por fim, o modelo económico do voto. No primeiro, como nos diz Freire, a participação eleitoral e o sentido de voto alternam conforme o acesso disponível da informação, a pressão à qual o eleitorado está sujeito e o próprio sector da actividade económica de cada sujeito. No modelo sócio-psicológico, predominam mais as variáveis atitudinais na explanação do comportamento eleitoral, rejeitando, assim, os factores de carácter político como função das características sócio-económicas dos indivíduos. No entanto, Filipe Nunes levanta uma questão pertinente “por que razão há eleições mais participadas do que outras no mesmo contexto económico e social?”. O modelo económico do voto responde a esta questão com a concepção de “utilidade do voto” em cada momento. Ou seja, o eleitorado apoia o governo em épocas de prosperidade económica e penaliza-o em períodos de recessão económica (Freire, 2001, p.77).

As eleições europeias de 2004

Em Portugal, estas eleições foram realizadas durante uma legislatura com governo de coligação entre PSD e CDS liderado por Durão Barroso. O governo era bastante impopular, uma vez que, para baixar o défice, o desemprego e o IVA aumentaram, houve uma redução do investimento público e os salários e as admissões na função pública foram congeladas. Isto levou a que todas as sondagens apontassem para uma derrota da coligação nas eleições europeias. Sem grandes diferenças programáticas no âmbito europeu, o PS tentou demarcar-se da coligação, na campanha eleitoral, com assuntos nacionais. Centrou, então, a sua campanha com acusações ao PSD de estar a tender mais para a direita, fruto da coligação com o CDS/PP; apostou no combate ao desemprego e criticou o Pacto de Estabilidade e, acima de tudo, tentou influenciar o eleitorado a dar “cartão amarelo” ao governo. O PCP e o BE abordaram os temas anunciados pelo PS, mas de uma forma mais “ideológica e eurocéptica” (Filipe Nunes).
Segundo os dados do inquérito pós-eleitoral, a maioria, ou seja 58% dos portugueses – percentagem inferior às eleições europeias de 1989 e 1999 – afirmou que esteve «pouco ou nada interessado» nesta campanha eleitoral. Uma das justificações dadas para este crescimento do interesse pela campanha foi a da morte de Soares Franco, cabeça de lista do PS. Contudo, isto não se verificou uma vez que 84% dos portugueses disseram que este acontecimento não teve efeito nenhum; ao cruzar-se informação verifica-se, também, que o resultado eleitoral do PS (46,4%) não é muito diferente do das sondagens (43,07%), a abstenção (61,4%) é também idêntica às eleições de 1999 (60,07%). 80% dos eleitores confessaram já estar decididos no que diz respeito ao seu voto antes da última semana de campanha, ou seja, o acontecimento acima referido não teve qualquer impacto nos resultados eleitorais.
Em 2002, segundo Freire, as duas grandes prioridades dos portugueses eram a saúde e a instabilidade económica. Com base na teoria económica do voto, quando existem contextos de crise económica, o partido que está no governo é sempre penalizado. Esta teoria, como diz Filipe Nunes, é comprovada nas últimas eleições legislativas. No inquérito pós-eleitoral que o seu texto analisa, os “principais problemas que Portugal enfrenta, passaram a ser o desemprego e a política do governo em geral” (Filie Nunes). Este panorama era ideal para a oposição portuguesa, uma vez que a esquerda é vista como mais eficaz ao combate do desemprego (Freire, 1001 p.83). Quase metades dos portugueses apontavam os assuntos predominantemente nacionais, principalmente a questão do desemprego, que deveriam ser os assuntos centrais da campanha. O PS foi de encontro a essas expectativas dos portugueses, obtendo o melhor resultado de sempre 46,4%. Contudo, 33% dos portugueses acham que nenhum dos partidos pode resolver o principal problema, isto é, a derrota da coligação, e segundo as teorias das “mid-term elections”, representou mais um aviso ao governo do que uma mobilização social pelo PS.
A avaliação da situação económica e avaliação do desempenho do governo são variáveis importantes na explicação da teoria das eleições de segunda ordem, principalmente quando estas são realizadas a meio de uma legislatura. Havia um maior optimismo em relação ao estado da economia, isto é, havia mais inquiridos que viam a economia portuguesa melhor do que pior. O pessimismo adjacente a este tema está claramente associado a negatividade face à União Europeia e à democracia portuguesa (Filipe Nunes). Há um reforço do declínio das clivagens sociais, uma vez que as explicações sócio-demográficas e sócio-económicas são pouco importantes. Segundo Campbell, as eleições europeias foram como um “referendo silencioso” ao governo em que os descontentes com este responsabilizaram os partidos que estavam no poder. Como nos diz Schmitt “uma diferença entre as eleições de primeira e segunda ordem é que os eleitores aproveitam estas últimas como uma oportunidade de baixo custo de expressarem o seu descontentamento em relação aos partidos do governo”. Schmitt afirma também que a popularidade do governo é cíclica, ou seja, existe uma euforia logo após as eleições de primeira ordem, aumentando ainda mais o apoio popular. Este apoio diminui bastante a meio do mandato, voltando a aumentar perto do fim do ciclo.
Há uma forte correlação entre a avaliação que se faz da situação económica e do desempenho do governo e entre o sentido de voto. Em Portugal, aqueles que “votaram nos partidos da oposição (61%) avaliam negativamente o estado da economia e a imagem do governo” e aqueles que, pelo contrário, votaram na coligação (34,6%) demonstram um optimismo económico, demonstrando, assim, uma imagem positiva do governo (Filipe Nunes).
Contudo, a participação eleitoral nas eleições de segunda ordem é bastante menor do que em eleições de primeira ordem. Isto deve-se ao facto de, como já foi referido anteriormente, não há tanto em jogo neste tipo de eleições. Contudo, isso não se verificou em 3 dos 25 sistemas eleitorais europeus analisados, como nos refere Schmitt. As excepções são: Irlanda, em que foi realizado em simultâneo um referendo; A Bélgica e o Luxemburgo onde é obrigatório ir votar e foram realizadas, em simultâneo, eleições regionais. Outro ponto que Schmitt identifica é a afluência bastante reduzida em alguns países membros pós-comunistas (Eslováquia, Polónia e a Estónia). Segundo Filipe Nunes, todos os dados apontavam, antes das eleições europeias, para uma elevada taxa de abstenção. Com base no Eurobarómetro 61, concluiu-se que os portugueses discordavam mais sobre a importância destas eleições do que a média europeia e, eram também, os cidadãos mais duvidosos a ir votar. Contudo, uma participação reduzida, não indica, segundo Schmitt, ilegitimidade. Indica, sim, uma falta de politização e mobilização eleitoral (Schmitt).
Pode-se, então concluir que as eleições europeias são marcadas por taxas de abstenção bastante elevadas, indo então de encontro com o modelo das eleições de segunda ordem. (Filipe Nunes). Os eleitores votam mais «com o coração», prejudicando os grandes partidos e, principalmente, os partidos que estão no governo. A participação eleitoral nestas eleições é baixa e os partidos pequenos obtêm resultados melhores do que nas eleições de primeira ordem. Schmitt levanta uma questão bastante pertinente “por que razão é que estas mudanças não modificaram a natureza das eleições para o Parlamento Europeu como eleições nacionais de segunda ordem?»
Há duas respostas: Uma mais simples que alguns cidadãos não se apercebem da “importância da União Europeia nas decisões políticas que afectam o seu dia-a-dia nem do papel que o Parlamento Europeu tem de desempenhar nesse processo de decisão” (Schmitt); a outra, mais complicada, e segundo Schmitt o defeito principal do sistema partidário europeu é a “ausência do antagonismo dominante governo-posição tão característico da maioria dos sistemas parlamentares”. Uma das razões apontadas para isto acontecer é a necessidade de cada vez mais se construir “maiorias parlamentares amplas para aumentar o peso da assembleia na luta pelo alargamento dos poderes do parlamento”. Outra razão aponta para a forma como o sistema de governação da U.E está organizado, que confronta dois órgãos “não partidários”, ou seja, a Comissão e o Conselho, a um parlamento partidário.
Há, também, uma diferença significativa das determinantes individuais do voto e da abstenção entre as legislativas e as europeias. Nas europeias, os resultados são condicionados pela avaliação da acção do governo e a situação económica. O que reforça a posição de que as clivagens sociais tradicionais perdem força. No que diz respeito à participação eleitoral, esta está fortemente ligada à idade e ao interesse pela política. Pode-se concluir que factores atitudinais e conjunturais que são essenciais em eleições legislativas, perdem importância explicativa da abstenção nas eleições europeias. Esta abstenção não está – ou não se pode concluir – ligada a atitudes negativas face à U.E ou à “oferta partidária” (Filipe Nunes).

A abstenção, estudo de caso entre 1989 e 2002


Tem-se verificado que nas últimas décadas tem havido um decréscimo na participação eleitoral nos países europeus. Desde do final da década de 70 e inícios de 80 que se tem notado isso em Portugal, ou seja, um pouco antes que nos países europeus. Contudo, existem países em que esta tendência não é visível, como por exemplo a Dinamarca. Ou que a flutuação da taxa de participação é tão grande que não permite concluir claramente se há ou não esse decréscimo (exemplo: Espanha).
Estas modificações são explicadas através dos processos sociais e políticos, com base no comportamento político dos cidadãos. Estas explicações apontam em vários sentidos, que podem ser a base da capacidade (ou falta de capacidade) da mobilização eleitoral dos cidadãos, sendo: Um menor poder interventivo e regulador do Estado, pois a sociedade (europeia) é cada vez mais globalizada; a transformação do Estado-Providência; ou até mesmo da necessidade de reforma do sistema político, entre outros factores.
Contudo, segundo José Manuel Viegas e Sérgio Faria avançam com um modelo explicativo que assenta nos “recursos materiais e simbólicos, nos níveis de integração social e cultural, bem como nas atitudes e identidades políticas e ideológicas” que são variáveis explicativas utilizadas pelo eurobarómetro de 89 (EB31A/89). Estes dados foram, também, cruzados com uma pesquisa internacional “Citizenship, involvement, democracy” (CID/2002) para se averiguar se estas variáveis se mantinham explicativas.
Para analisar a evolução dos factores individuais que explicam a participação eleitoral, José Manuel Viegas e Sérgio Faria consideraram os dados recolhidos nos já referidos EB31A/89 e CID/2002. Antes de se avançar para as análises e como afirma Eva Perea, é possível distinguir diversos tipos de incentivos individuais à participação eleitoral: O nível de recursos, idade, instrução, rendimento, estado civil, grau de religiosidade e grau de envolvimento político como por exemplo, interesse pela política, proximidade a esta ou, então, filiação partidária. Os países seleccionados foram a Alemanha, Dinamarca, Espanha, Holanda e Portugal. Para se verificar os factores fundamentais da participação eleitoral, José Manuel Viegas e Sérgio Faria dividiram as variáveis em dois blocos e utilizaram o modelo da regressão logística – tanto nos dados de 1989 como 2000 –. O primeiro bloco abrange as variáveis de integração e recursos materiais e simbólicos, ou seja, «habitat»; «idade», «nível de escolaridade», «situação conjugal», «situação face ao trabalho» e «frequência de práticas religiosas». Estas variáveis contêm factores de integração social e de recursos que facultam um melhor domínio simbólico e prático dos factos políticos, bem como, por sua vez, atribuem factores de condição e interesses que se bosquejam no espaço político.
O segundo bloco de variáveis explicativas engloba, por sua vez, a «satisfação com o funcionamento da democracia», o «interesse pela política», a «proximidade a um partido político» e a «saliência da identidade ideológica».
Com a análise feita, constata-se que na diferença dos treze anos (de 1989 para 2002), a “variância total explicada diminuiu significativamente” nos países exceptuando a Holanda (José Manuel Viegas e Sérgio Faria). Em Portugal, assistiu-se a uma redução em 10 pontos percentuais na variância explicada. Com os resultados originados em termos de blocos de variáveis e considerados as variáveis no âmbito da integração social, assiste-se ao mesmo mote de descida da variância explicada em todos os países – excepto na Holanda – A «idade» mantém-se como um factor forte em todos os países em ambos os momentos. Por seu lado, o factor «situação face ao trabalho» como factor importante nos resultados de 2002 na regressão logística.
No que diz respeito ao primeiro bloco, os resultados vão ao encontro com as expectativas. Nos países onde as democracias estão consolidadas há mais tempo, nota-se que estas tendem a esbater as diferenças quer ao nível da integração social, quer na distribuição dos recursos. Contudo, quando se examinam as variáveis do segundo bloco, e segundo José Manuel Leite e Sérgio Viegas, assiste-se a uma perda da capacidade explicativa dos factores de participação eleitoral introduzida, no primeiro bloco, não é compensada pelas variáveis atitudinais do campo político, onde as componentes do envolvimento político tendem a diminuir o seu impacto sobre a participação eleitoral de 1989 para 2002, uma vez que as variáveis «proximidade a um partido político» e «saliência da identidade ideológica», que são factores de mobilização eleitoral, perderam valor explicativo.
Para se aprofundar esta análise, calcularam-se os coeficientes de correlação linear entre a participação eleitoral e as diversas variáveis que dizem respeito às atitudes e identidades políticas. A correlação entre a «participação eleitoral» e «interesse pela política», de um ano para o outro, só diminuiu em Portugal, permanecendo estável ou, até mesmo, crescente nos restantes países. No que diz respeito à correlação entre a «participação eleitoral» e «proximidade a um partido político», assiste-se a uma diminuição do coeficiente de correlação entre as variáveis – com excepção na Holanda –, facto esse, que vai ao encontro com outros estudos já feitos. A evolução dos resultados na variável «satisfação com o funcionamento da democracia» declara a mudança que se está a verificar no comportamento eleitoral. Em 1989, esta variável não tem peso significativo (excepto no caso holandês) contudo, surge, em 2002, como coeficiente expressivo (com a excepção de Portugal). Não havendo dados adequados, José Manuel Viegas e Sérgio Leite afirmam que pode “interpretar-se a relação entre a «satisfação com o funcionamento da democracia» e a participação eleitoral como um sinal da importância crescente das avaliações da conjuntura na decisão do cidadão votar ou não”.
Num outro momento, os conjuntos das variáveis que foram examinadas no modelo de regressão logística para 2002, adicionou-se um maior número de factores para analisar se é possível obter um maior número da variância explicada no fenómeno da participação eleitoral. Introduziram-se, então, diversas variáveis independentes e tentou-se dar um enfoque, que antes não tinha sido dado, ao capital social, privilegiando-se o indicador «confiança nos outros»; foi também introduzida a variável «satisfação com a vida» - sendo possível, então, avaliar a auto-apreciação dos inquiridos. Embora esta última variável não seja uma “medida de capital social”. Esta variável juntamente com a «confiança nos outros» sintetiza referências extrínsecas ao domínio público.
No bloco onde estão inseridas as atitudes políticas, consideraram-se novas variáveis; a «importância da política»; «interesse pela política» ou «proximidade a um partido político» e «sentimento de eficácia». No entanto, as outras três variáveis possibilitam alargar a cobertura no âmbito atitudinal. Através do «sentimento de eficácia política» retira-se “a sensação que os indivíduos têm da sua capacidade da influência sobre as decisões com impacto colectivo, por via da avaliação que fazem da disponibilidade dos agentes políticos e da distância a que os percebem”. Com a «importância dos valores de debate democrático» podem-se estimar duas orientações valorativas: Por um lado, importância das opiniões próprias e, por outro lado, a importância de usar essas mesmas opiniões numa observação crítica. No que diz respeito à «importância da obediência às normas», anui-se que “representam os comportamentos conformes para os inquiridos”.
No último bloco reuniram-se duas outras variáveis: A «satisfação com o funcionamento da democracia» - que já foi considerada anteriormente – e, uma nova, a «confiança nas instituições políticas» em que ambas traduzem uma relação com o plano político institucional.
No que diz respeito à “performance” deste novo modelo, José Manuel Viegas e Sérgio Faria afirmam que se adquiriu um aumento do total da variância explicada. No caso alemão, espanhol e português assistiu-se a um maior aumento, no caso dinamarquês este aumento foi menor e no caso holandês não se assistiu a aumento nenhum.
São nestes dois últimos casos em que o novo «bloco 2» se assiste a uma maior variância explicada. José Manuel Viegas e Sérgio Faria fazem duas observações: O referido ganho da variância explicada é comparativamente pequeno em todos os países analisados; e, em segundo, na Dinamarca a «satisfação com a vida» torna-se numa variável estatisticamente significativa, enquanto na Holanda é a «confiança nos outros» que se diferencia neste bloco. Isto é, na Dinamarca, há uma maior tendência para a abstenção eleitoral quando a satisfação com a vida é menor. Por sua vez, na Holanda, quando a confiança nos outros é menor, a abstenção será maior. No que diz respeito a Portugal, há uma maior tendência para a abstenção nos indivíduos que revelam maior satisfação com a vida. Isto leva-nos a crer que o “sentimento de conforto” leva à ausência do voto. Por seu lado, os que estão mais insatisfeitos, que são provavelmente os afectados pela distribuição social, inclinam-se a ver a política como um meio para melhorarem a sua situação, congregando a sua insatisfação com os resultados da acção política.
O terceiro bloco de variáveis é aquele em que, em termos relativos e para todos os países, os factores mais determinantes para a participação eleitoral. Em Portugal, a «importância da política» é o terceiro preditor com maior peso explicativo da abstenção. No que diz respeito ao «interesse pela política» deixa de ser um factor estatisticamente significativo.
A divergência entre a «importância da política» e o «interesse pela política» vai ao encontro das reflexões que afirmam haver um sentimento de que a política – ou os agentes partidários – pouco conseguem fazer face à globalização e estratégias de mercados.
Antes de se falar no plano político institucional, Eva Perea afirma que “os factos institucionais são apenas um de muitos tipos de variáveis contextuais que podem influenciar a participação eleitoral. Porém, estes factores podem ser “modificados mais facilmente do que os outros elementos do sistema político”, como, por exemplo, o sistema partidário, os padrões de competitividade ou mesmo a cultura política. As instituições são excepcionalmente o resultado de um plano inteiramente racional, “sendo mais frequente o produto de compromissos entre os diferentes e contraditórios interesses dos vários actores políticos” (Eva Perea). Estas podem ser reformadas consoante a vontade humana, então, a reforma institucional constitui um aparelho permissível para resolver alguns problemas actuais dos sistemas democráticos, sendo um desses problemas os níveis de participação eleitoral. As propostas que apontam para o aumento dos níveis de participação, segundo Eva Pera, podem ser agrupadas com base em dois princípios: O primeiro, tem as que são propensas a produzir mudanças directas no comportamento, isto é, a finalidade é fazer com que os eleitores vão às urnas; em segundo lugar tem-se “as iniciativas que visam aumentar o envolvimento eleitoral consoante a promoção de sentimentos e atitudes propícios à participação” (Eva Perea).
No que diz respeito ao plano político institucional, observa-se que a «confiança nas instituições políticas» aparece como factor importante apenas para a participação em Espanha, por outro lado a «satisfação com o funcionamento da democracia» é variável explicativa apenas para a Holanda. Tanto para a Alemanha como para a Espanha esta variável deixou de ser um coeficiente estatisticamente significativo.
José Manuel Viegas e Sérgio Faria concluem que parece difícil descobrir quais são os padrões explicativos da abstenção eleitoral nos vários países considerados. Na maioria dos países, constata-se que o agregado das determinantes sociais de abstenção eleitoral já não tem o mesmo impacto que tinha anteriormente. Não sendo irrelevantes, contudo. Quando se alargou o número de variáveis independentes no segundo exercício de regressão logística, alguns factores de integração social continuaram a condicionar a participação eleitoral. Os jovens são os que mais se abstêm. Em Portugal e Espanha, descortinou-se que, em 2002, a «situação conjugal» e a «frequência de práticas religiosas» afectam a participação eleitoral.
No que diz respeito aos factores de integração política, são estes que se destacam na explicação da participação eleitoral.
Quando se comparam os resultados da regressão logística para os anos de 1989 e 2002, apurou-se que, em 2002, a «satisfação com o funcionamento da democracia» tornou-se factor determinante, notando-se, aqui, a consequência dos “factores da avaliação da conjectura”.
Em suma, com esta análise global, pode afirmar-se que nos países do Centro e Norte da Europa, que têm democracias consolidadas há mais tempo, os factores de envolvimento político e valor cívico são os que têm maior impacto na mobilização eleitoral. Por sua vez, nos países do Sul da Europa, que têm democracias mais recentes, são os factores de integração social e moral mais importantes para o acto de votar ou não.

Estado-Providência e Estados Sul da Europa

   É relevante, antes de se analisar as várias questões levantadas, definir alguns conceitos que são basilares para a compreensão de toda a problemática que irá ser discutida. Como tal, Estado-Providência é “caracterizado como sendo um fenómeno geral da modernização, como um produto, por um lado, da crescente diferenciação, desenvolvimento e extensão das sociedades e, por outro, como um processo de mobilização social e política” (Flora e Alber).
  Pretende-se que, neste texto, seja abordada a questão do Estado-Providência e da sua transição ao longo dos anos com base na questão da globalização e os Estados da Europa do Sul (principalmente Itália e Espanha e, por vezes Portugal e Grécia). Enquanto muitos autores afirmam que o Estado-Providência está em transição, outros, indo mais longe, afirmam que existe um Estado-Providência tipicamente dos estados do sul (“Southern Welfare State System”).
    Como afirma Mozzicafreddo, as funções do Estado devem sofrer alterações consoante as necessidades, problemas e expectativas que não conseguem ser resolvidas, como por exemplo o desemprego, exclusão social e assegurar o crescimento económico. As funções do Estado, que estão relacionadas entre si, podem ser expostas da seguinte forma: Por um lado, a problemática do Estado-Providência quanto à sua estrutura, função e, sobretudo, quanto à sua adequação ou não face à realidade social e, por outro lado, as actuais tendências de redefinição do papel que o Estado exerce na esfera social e económica. Mozzicafreddo afirma que “a redefinição do papel do Estado na sociedade, tendo em conta as implicações do processo de integração comunitária, tem a ver com a estrutura e funções do Estado-Providência”. Esta redefinição, segundo o autor, insere-se na temática sobre a adequação das funções sociais e económicas, desse modelo político, à realidade contemporânea social com base na complexa evolução e transformação nos últimos anos. Mozzicafreddo afirma, também, que a concertação social é um dos pilares do modelo de Estado-Providência, uma vez que a sua estrutura e funções foram modeladas através da negociação entre o poder político e as elites socioeconómicas.
    O Estado é considerado como “sistemas de funcionamento que não apenas estruturam as relações entre a sociedade civil e a autoridade política, mas também estruturam as relações de poder fundamentais dentro da sociedade civil” (Mozzicafreddo). Então, e segundo Birnbaum e Badie, o Estado é o resultado do processo de diferenciação e de regulação e, conjuntamente, o motor da diferenciação das sociedades.
   O sistema político é, então e segundo Luhman, entendido como um processo diligente e emaranhado de procedimentos com capacidades para integrar as exigências e pressões dos sistemas sociais, de alterar as suas próprias configurações na adaptação às reclamações produzidas pelos diferentes sectores da sociedade. Estas exigências condicionam a evolução da estrutura das funções do sistema político.
   A estrutura formal e substantiva do Estado-Providência foi sendo organizada para responder aos problemas e necessidades e identifica-se em funções que estruturam a matriz deste tipo de Estado. Esta dimensão estrutural determina um conjunto de normas que estabelecem um modelo contratual de acção e consolida a institucionalização das funções de regulação (social, económica e política). A dimensão estrutural do Estado-Providência é fundamental para a compreensão da configuração política e, também, do modelo basilar desta forma de composição das sociedades. É, nesse caso, encarado que “a sistematização destas dimensões do Estado-Providência ao modelo contratual base e às suas características estruturais, é igualmente importante para o entendimento tanto dos limites e possibilidades da sua transformação, como à percepção dos problemas que o funcionamento deste modelo levanta” (Mozzicafreddo). Sendo os problemas, a segmentação do mercado laboral; exclusão social; e o peso fiscal e orçamental da expansão do Estado. Existe, então, um programa que reorganiza as regras do mercado para tentar: Diminuir o grau de incerteza social; estabelecer serviços sociais e procedimentos de igualdade de oportunidades para todos os cidadãos; assegurar às pessoas e às famílias um nível mínimo de rendimentos independente dos resultados do mercado e, por fim, integrar mecanismos de cidadania. Estes mecanismos de regulação caracterizam-se em três formas de acção pública. Primeiro, encontram-se sistemas de acção que têm como objectivo criar condições para o funcionamento eficaz da economia de mercado. Depois, o papel desempenhado na dinamização da esfera económica e de regulação das disfuncionalidades do mercado e, por último, o conjunto de regras de enquadramento da economia que constituem a chamada “economia administrada” (Mozzicafreddo).

  Será, então, que existe um “Sistema de Estado-Providência do Sul”? (Southern Welfare State System). 
Esping-Andersen afirma que os Estados-Providência italianos e espanhóis partilham características típicas do sistema conservador alemão (o chamado modelo Bismarckiano), uma vez que os Estados-Providência sulistas mostram uma forte compromisso ao chefe de família masculino – ainda mais que nos estados Conservadores da Europa do Norte. Existe uma forte tradição cultural e religiosa no desenvolvimento do Estado-Providência, juntamente com a forma como a família e os papéis dos géneros são atribuídos (Esping-Andersen, Castles e Kersbergen). Katrougalos considera, também, que os Estados-Providência do Sul são menos desenvolvidos do que o modelo Conservador. Leibfried vai ainda mais longe, dizendo que estes pertencem a um distinto e rudimentar modelo.
   Contudo, Ferrera defende a existência de um modelo diferente nos países do sul da Europa e define três características básicas para este modelo. Primeiro os pontos importantes para o acesso de provisões de bem-estar e ideologia de bem-estar combinam serviços de bem-estar (welfare services) baseados na tradição social-democrata com transferências da renda (“income transfers”). Segundo, o autor argumenta que, os Estados-Providência do Sul privilegiam ainda mais o mercado de trabalho que os Estados-Providência Conservadores. Privilegiam, também, os mais idosos em relação às pessoas que trabalham, uma vez que as pensões/reformas são mais importantes que subsídios de desemprego, salários mínimos, etc. E em terceiro, os estados do Sul mostram um perfil de “clientelismo particular” (particularistic-clientelistic), ou seja, as instituições de bem-estar público são altamente vulneráveis a pressões e manipulações. Ferrera afirma que a manipulação do bem-estar social ganha forma de “clientelismo político” (political clientelism), ou seja, favores em troca de apoio das organizações públicas. Segundo Ana Guillén e Santiago Álvarez os dois primeiros pontos de Ferrera são geralmente aceites, o terceiro não o é. Uma vez que afirmam que as práticas de “clientelismo” não são tão difundidas no Estado-Providência do Sul para considerar que seja uma característica de diferenciação ou uma característica básica deste sistema. Todavia, pode-se facilmente deduzir da análise de Ferrera que existem desvios significativos do modelo de Estado-Providência do sul do modelo Conservador/Bismarckiano. Consequentemente, é possível falar num distinto padrão de providência do Sul dos outros estados-providência. Isto porque os serviços de bem-estar ficaram como as providências Sociais-democratas. Desta forma, são dirigidos para a população inteira, como direitos da cidadania, e financiado fora dos rendimentos do estado. Isto conduziu a uma mistura das tradições Bismarckianas e Social-democratas que podem ser estabelecidas como características básicas do modelo do Sul de Estado-Providência.
    Poderá, então, falar-se de regime do Sul de bem-estar? Os regimes de bem-estar são construídos em diferentes princípios que os diferenciam dos outros. Assim, pode-se discutir que os Estados de Bem-Estar liberais mostram uma preferência desobstruída para o mercado como um método superior de distribuição «vis-à-vis» do estado. É, também, visada ou fixada a liberdade de escolha para os indivíduos que são considerados capazes de enfrentar riscos. Os Regimes conservadores/corporativos são baseados, por sua vez, no modelo chefe de família e, finalmente, os regimes Sociais-Democratas são predicados em direitos públicos individuais como direitos da cidadania. Um princípio de diferenciação básico possível de Estado de Bem-Estar do Sul poderia ser o que foi denominado como “familiarismo” dos países europeus do sul, significa que as famílias prevêem uma larga escala de serviços de bem-estar. Alguns estudos mostram que o tamanho das famílias está correlacionado com os níveis de desenvolvimento económico, a média, em 1991, do tamanho das famílias era 3.3 pessoas em Espanha, 3.1 em Portugal, 3.0 na Grécia e 2.8 em Itália, enquanto na U.E-15 era de 2.6. Alguns estudiosos relacionam o “familiarismo” com tradições culturais, ligadas mais ou menos com o Catolicismo e Democracia Cristã. Outros afirmam que não é pela tradição religiosa, mas a vontade das famílias em preservar os padrões face ao desemprego. Pode-se discutir que os Estados de Bem-Estar europeus do sul têm algumas características diferentes que os Estados de Bem-Estar europeus, mas é difícil falar num regime do sul do bem-estar como um princípio de base.
     O impacto das reformas dos anos 90 – na Itália e Espanha – mostram que a despesa total na protecção social continuou a crescer em Espanha a um ritmo similar àquele dos anos 80 (de 20.3% em 1990 para 23.6% em 1994), enquanto em Itália não cresceu ao mesmo ritmo. A pressão fiscal diminuiu ligeiramente em Espanha. Entretanto, nos últimos, a tributação cresceu muito menos do que nos anos 80. O impacto da racionalização mede o controlo do défice público.
     A Espanha mostra aumentos moderados (1990-95) na despesa em quase todas as áreas da política social. Inversamente, em Itália as diminuições ocorreram em benefícios de doença, saúde, família e políticas de crianças. A maior expansão nos dois países ocorreu na despesa na luta contra a exclusão social.
   Nada parece indicar que a globalização ou a integração europeia impôs directamente severas reduções em qualquer um dos Estados de Bem-Estar considerados. O que aconteceu foi uma diminuição no crescimento social da despesa, afirmam Ana Guillén e Santiago Álvarez. Será que os Estados de Bem-Estar do Sul mostraram um nível elevado de vulnerabilidade face às influências da globalização? Segundo Ana Guillén e Santiago Álvarez, os governos do sul perderam alguma autonomia, como outros governos europeus, quando enfrentaram a integração europeia e globalização económica. Contudo, isto não conduziu a uma redução drástica da protecção social a fim de ganhar concorrência económica nacional. Parece que os Estados de Bem-Estar do sul mostraram uma vulnerabilidade moderada às tendências da globalização, com um maior impacto na política macroeconómica do que nas políticas da protecção social.
  Pode-se, então, concluir, e segundo Mozzicafreddo, que os factores importantes na produção do “défice de solidariedade” e de exclusão social, no aumento do desemprego e constrangimento fiscal sobre os cidadãos, são algumas das consequências resultantes dos mecanismos instituídos nesta forma de funcionamento do Estado. A resolução destes problemas sociais conduzirá a uma redefinição do papel do Estado e dos parceiros sociais na sociedade. Esta redefinição não compromete somente as orientações programáticas, mas principalmente a procura de um compromisso entre os partidos políticos e as organizações sociais, económicas e profissionais relativamente às bases de um modelo contratual que oriente a redefinição do papel do Estado na sociedade e, também, o engenho e organização de instrumentos e mecanismos que habilitem institucionalmente os grupos sociais, sectores e temas não abrangidos na actual estrutura política. Tal como a dimensão estrutural do Estado-Providência, formou-se com um determinado contexto histórico e sociológico, a redefinição das suas dimensões constitutivas não poderá ser instituída independentemente das transformações, necessidades e interesses que os cidadãos revelam no actual contexto democrático de funcionamento e organização das sociedades.

Coordenação Intersectorial: “Uma confederação de ministérios?”


    O texto pretende examinar a formulação de políticas e a coordenação governamental em si e a importância do processo de coordenação no centro governativo. Para tal, fez-se uma pequena comparação do papel legislativo da Assembleia da República e do governo. Em que se notará o crescendo controlo, por parte do governo, do processo de feitura de leis. 
   Para tal, irá ser examinado a fase preparatória da elaboração das propostas, através de entrevistas a ministros para que se possa, também, entender o papel destes, dos funcionários públicos e dos partidos de governo neste processo. Em seguida, irá ser analisado a forma como as decisões são feitas nos governos que se sucedem. 
    O objectivo deste texto, é portanto, analisar a coordenação intersectorial ao nível executivo.

     A formulação de políticas, segundo os autores, “não é um processo fechado em que intervêm apenas os actores do centro governativo, nomeadamente ministros e secretários de Estado”. Então, é fundamental examinar outros actores – grupos de pressão, comunicação social e outros organismos políticos -, pois podem influir a forma como o executivo funciona. 
É fundamental comparar e analisar o papel do governo, da Assembleia da República e do Presidente da República de forma a entender a preeminência do governo na formulação de políticas. 
       Com as várias revisões constitucionais, a preponderância governamental no que diz respeito à formulação de políticas foi reforçada. Contudo, nesta última (1989), os poderes do parlamento foram atenuados no âmbito de ratificação de decretos-lei. A preponderância do governo em relação ao parlamento poderá ser quantificada no que diz respeito à produção legislativa. Contudo, e em comparação, o número de projectos de lei que são expostas ao parlamento português por diligência de deputados individuais é elevado, sendo 60% de todas as leis. Conquanto, desde 1976 que existe uma clara vantagem e êxito do governo no que diz respeito à produção legislativa. Este êxito, deve-se ao facto das propostas de lei terem primazia em relação aos projectos que são apresentados pelos deputados a título individual e, por outro lado, porque é constante o parlamento delegar a sua competência legislativa ao governo; outro dos factores para este êxito é o resultado das propostas de lei apresentadas pelo governo ao parlamento.
    Para que haja uma coordenação das relações entre o governo e a Assembleia da República, instituiu-se, durante o governo de coligação da AD, o ministro dos Assuntos Parlamentares que tem como dever a ligação entre o governo e os grupos parlamentares e por se reunir com os ministros. No que diz respeito ao Presidente da República, a intervenção deste no processo de formulação de políticas pode ser contabilizada pelos decretos-lei que são vetados. Segundo o texto, nas várias entrevistas, grande parte dos ministros afirmaram que raramente tinham em conta o Presidente da República ao formular as políticas. 
      “As vias processuais da coordenação intersectorial diferem consoante o tipo de instrumento jurídico escolhido para a efectuar”, uma vez que cada ministro está condicionado constitucionalmente, particularmente nas áreas políticas que são da competência legislativa exclusiva do parlamento e nas em que essa competência é repartida entre o governo e o parlamento. Neste caso, o governo pode ser autorizado pelo parlamento para legislar ou, então, pode decidir se deseja legislar por decreto-lei – que tem sido o instrumento jurídico privilegiado por todos os governos – ou apresentar uma proposta de li ao parlamento. Segundo os vários estudos, os ministros não conferiram ao Primeiro-Ministro qualquer papel em termos de iniciativa de formulação de políticas, sendo este um indicador de que o papel do Primeiro-Ministro é menos importante ao nível da coordenação intersectorial do que ao nível de coordenação política.
       No que diz respeito aos ministros, segundo o texto, embora declarem que a iniciativa de apresentar propostas lhes é conferida, estes delegam quase sempre para os directores-gerais ou para os secretários de Estado. Os directores gerais, segundo os entrevistados, representavam um papel mais necessário do que os secretários de Estado na formulação de políticas, tanto ao nível da iniciativa, como ao nível de elaboração das propostas. Com esta relativa autonomia dos ministros no que respeita ao processo de formulação de políticas e, também, no que diz respeito ao seu partido e ao Primeiro-Ministro, é premente tentar determinar em que medida e em que circunstâncias estes sentiam necessidade de coordenar as políticas entre si. A grande parte dos entrevistados respondeu que sentiam “frequentemente” a necessidade de se ligar com outros ministros. Contudo, quando existe um governo de coligação, não é necessário saber apenas quais são os partidos e as várias pastas que estes controlam, é necessário, também, chegar a um consenso obriga os ministros a coordenar, entre si, acções. As decisões que são tomadas entre si, são uma versão algo esbatida daquilo que cada um dos partidos integrantes da coligação faria se estivesse no poder, daí que os ministros de governos de coligação terem respondido às entrevistas que “ocasionalmente” é sentiam não poder decidir sozinhos. Isto gera diferenças evidentes entre os vários governos. 

      As duas principais razões para que se coordene a acção entre ministros são: a sensibilidade política e o custo das medidas propostas; e o seu carácter intersectorial. Estas duas razões dividem-se em categorias institucionais e políticas. As institucionais – subjacentes à coordenação – são as que provêm das normas processuais vigorantes no executivo. As razões de ordem política, ou seja, as de coordenação interministerial, são as que mesmo que o regimento não ordenasse as assinaturas de outros ministros, o ministro em causa solicitava-as. E é aqui que se começa a notar a importância do ministro das Finanças. Esta importância do ministro das Finanças no processo da formulação das políticas provém, particularmente, do regimento – “documento que norteia a acção ministerial no Conselho de Ministros”. Alguns regimentos permitem, ao ministro das Finanças, que se possa pronunciar, sem forçosamente vetá-los, sobre os diplomas antes de serem expostos ao Conselho de Ministros. Contudo, se o ministro das Finanças se opuser a uma determinada proposta, esta dificilmente é aprovada em Conselho de Ministros. “O ministro das Finanças, juntamente com o secretário de Estado do Orçamento, que controla o orçamento anual, que traduz as ambições políticas do governo em compromissos financeiros precisos”. O ministro das Finanças fica, assim, no centro do processo de coordenação intersectorial no governo.

        Desde 1976, que a reunião do Conselho de Ministros tem sido a reunião mais importante do governo, sendo a instância de formulação de políticas mais relevante e importante em todos os governos. Contudo, e por o Conselho de Ministros ser a instância oficial da coordenação intersectorial gerou problemas. Isto porque havia falta de preparação, as reuniões eram dominadas por conflitos sectoriais que não tinham sido sanados, fazendo com que as reuniões demorassem o dia inteiro e não se chegava a alguma decisão; os ministros podiam, também, alegar que não conheciam as propostas que estavam a ser discutidas de forma a atrasar as decisões e por fim, havia incerteza quanto aos assuntos que deveriam ser submetidos a essas reuniões. “Tal como a coordenação partidária não envolve apenas os membros do partido que fazem parte do governo, a coordenação intersectorial pode ser um processo extremamente amplo envolvendo vários actores”. Tal como a fase de elaboração envolve grupos de pressão e influências externas, o mesmo acontece na fase de colaboração. A relação entre os grupos de pressão com o governo e outros órgãos políticos é usada para compreender “se o corporativismo do Estado Novo se terá prolongado pelo período democrático”. Segundo Lucena, o corporativismo foi oficialmente venerado até 1974, contudo e a seguir à Revolução foi quase ele todo extinto. Contudo, Lucena evidência que essa extinção foi incompleta uma vez que “muitos organismos de base se mantiveram”, no entanto os órgãos que davam apoio ao processo de coordenação intersectorial, particularmente a Câmara Corporativa, foram extintos. 
    Apesar de todas as conotações autoritárias que o “corporativismo” implementou em Portugal, desenvolveram-se esforços para que o diálogo permanente, entre o executivo e as associações económicas, fosse instaurado.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Evolução Federal em Espanha

O sistema espanhol representa uma “federação incompleta”. A forma de governação regional espanhola tornou-se num Federalismo com outras forças na construção democrática. Estas forças, para Bañón e Elazar, incluíam a construção do próprio Governo representativo e de uma burocracia responsiva; enfrentar os desafios de um Estado social; a promoção de uma democracia social e do envolvimento da Espanha na Comunidade Europeia.
A evolução em Espanha representa um federalismo "pós-moderno", ou seja, a reconstrução dos Estados reflectindo a mudança paradigmática para uma não centralização (noncentralization) federal baseada em formas de divisão do poder. Entende-se por “noncentralization” como sendo uma forma de garantir, na prática, que a entidade a participar no exercício do poder político não pode ser retirado em geral, ou os governos estaduais, sem comum acordo.
A este respeito, é necessário definir alguns termos: "federal" é usado para indicar a sua maior utilização histórica de incluir uma variedade de contratos federais (federal arrangements). “Federalismo” refere-se à recomendação, apoio activo e movimento em direcção a uma autonomia constitucional e “Federação”, por sua vez, refere-se mais restritamente a um "contrato institucional de facto" (institutional arrangement of fact), onde o governo central inclui unidades regionais na sua decisão sobre algum procedimento bem estabelecido constitucionalmente.
O primeiro princípio do federalismo “pós-moderno” a ser demonstrado através da experiência espanhola é a de que uma federação constitucionalmente criada não era vista como a rota para o federalismo. Era sim, desenvolvida a partir de um regime federal não-constitucional que estimulava a autonomia. Para Carl Friedrich, o federalismo tem vindo a ser vulgarmente conhecido como o processo pelo qual políticas distintas entram em consenso para actuarem juntas. Também, poderá ser visto como o processo pelo qual uma política unitária se torna diferenciada num conjunto organizado federal. “Relações federais são relações oscilantes da própria natureza das coisas” (Friedrich 1968: 7).
A transição espanhola elevou-se a uma das primeiras “revoluções de veludo” (“velvet revolutions”) em que a democracia foi instaurada pacificamente dentro de processos constitucionais e legais existentes. Com o processo da criação da Constituição, as várias posições políticas tiveram de fazer escolhas no que diz respeito ao exercício da autoridade política. A Extrema-Direita Franquista queria conservar o Estado unitário e centralizado e resistir a qualquer menção de grupos étnicos ou “nacionalidades” presentes na Constituição. Por seu lado, a Esquerda queria uma espécie de “federação plurinacional” (“plurinational federation”). O Rei Juan Carlos e o Presidente Adolfo Suárez favoreceram a resolução da questão regional com um Estado unitário descentralizado. Suárez que liderava o partido de coligação centro-direita, UCD, favoreceu uma forma de autonomia regional. “Suárez favoreceu uma descentralização administrativa mas resistindo a uma autonomia ou federação e foi, pela primeira vez, consentido pela maioria dos partidos tanto à esquerda como à direita.”
A Constituição consignou um sistema de três níveis (“three-tiered system”) incluindo um novo governo regional de segundo nível (“new second-tier regional government”). Para além do Governo Central, a Constituição permite que o país se possa organizar em “municípios, províncias e regiões autónomas”, sendo estes auto-governados. Cada Governo territorial possuiu um órgão legislativo unicamaral eleito (Assembleia), um Conselho de Ministros do Governo (“cabinet”), um corpo administrativo e possui alguns poderes exclusivos bem como uma série de competências. As Comunidades Autónomas (que são ao todo 17 em Espanha) têm o direito de iniciativa legislativa no parlamento e os seus poderes e deveres emanam da Constituição e dos seus estatutos autónomos originais (“original autonomy statutes”). Estas Comunidades Autónomas são controladas por assembleias regionais (“single-chamber assemblies”), eleitas em ciclos de quatro anos que por sua vez elegem um presidente e um executivo regional e operam com ministros regionais. Em cada território, os partidos políticos e os sistemas eleitorais têm surgido ou através de versões regionais dos principais partidos espanhóis ou então através de partidos regionais nacionalistas que suportaram as Comunidades Autónomas através de eleições regionais bem como preocupações gerais.
O segundo princípio refere-se à evolução pactuada através de acordos negociados. Embora não se negue a base da federação conventual, distintas formas federais podem surgir através de pactos não-federados. Tais sistemas podem demonstrar crítica de funcionalidades federais, tais como a autonomia constitucionalmente enraizada (“constitutionally entrenched autonomy”) e “auto-regra e regra partilhada” (“self-rule plus shared rule”) (Elazar, 1987a). Durante o período da pré-constituição (1975-78) e na própria Constituição espanhola, os responsáveis pela mesma, estavam relutantes em rotular como um sistema federal devido às suas múltiplas implicações. O termo “federal” também não poderia ser utilizado para não ser, de forma alguma, reconhecidas nenhumas alegações aos nacionalistas étnicos que se poderiam basear na noção histórica que Estados independentes poderiam formar um Estado-Maior. A Constituição é, no entanto, claramente construída nos princípios de unidade nacional e incorporação plural de princípios, envolvendo a autonomia de uma variedade de interesses respectivos, incluindo as subunidades de governação. A unidade nacional é conjugada com o princípio da solidariedade entre as regiões e os estados. Encontrar a linha entre unidade e diversidade tem sido o principal desafio.
O terceiro princípio fala-nos sobre a complementar construção de instituições democráticas e da distribuição territorial do poder. Os processos de construção do “estado de las autonomías” e da democracia são “duas faces da mesma moeda”. Como diz Diaz-López (1956: 266) “as ideias da democracia e autonomia foram inseparáveis de tal forma que o processo de descentralização política em Espanha considera-se fundamental à liberdade e à democracia”. No que diz respeito à democracia e autonomia, Schmitter (1993), refere-se ao fomento da autonomia local como uma possível componente da sequência transformadora de processos comuns a tais transições.
A componente de democratização governamental tem sido discutida em relação à construção das 17 Comunidades Autónomas. Este é o desenvolvimento mais importante de como um Governo que era considerado fraco mas altamente centralizado, lenta e relutantemente tornou-se num Governo com poderes descendentes. Os Governos locais também tiveram de se tornar parte do novo regime democrático. A transição desencadeou conselhos (diputaciones) provinciais eleitos nos territórios onde as províncias não foram fundidas com as Comunidades Autónomas juntamente com conselhos eleitos. Enquanto os conselhos têm vindo a perder as suas funções para as Comunidades Autónomas, corporações municipais de grande envergadura suportam grandes responsabilidades de serviço.
O sistema eleitoral ligado aos três níveis é, claramente, entre os aspectos mais importantes de democratização. O número de transições eleitorais que têm ocorrido marca o surgimento de democratização. O governo nacional foi controlado pelo PSOE a partir de 1982. Contudo o controlo subnacional é mais variável, com predominância étnica do partido nacionalista no País Basco e na Catalunha, e o principal partido da oposição, PP, controla as maiores cidades.
O quarto princípio baseia-se nos conflitos centro-periferia. O problema da periferia foi que, durante o período Franquista, muitos catalães e bascos estavam dispostos a admitir que Madrid poderia ser o Governo de seu "Estado" mas não representava a sua identificação nacional. A questão central é a medida em que o “estado de las autonomias” contribuiu para acomodar o reconhecimento das minorias étnicas subnacionais de demandas por meio dos seus direitos. Primeiro a autonomia libertou os governos das suas áreas periféricas que detêm poder sobre decisões importantes e cargos públicos. Enquanto um poderia ter problemas com as competências particulares que lhe têm sido atribuídas, as Comunidades Autónomas assumem responsabilidades pelos serviços da comunidade, assuntos culturais, entre outros que significou um crescimento da etnia subcultural apoiada pela auto-governação. Em segundo lugar, algumas políticas públicas entre o centro e periferia têm tentado encontrar um equilíbrio entre unidade e diversidade. Por fim, a representação do partido nacionalista e controlo das Comunidades Autónomas fornece uma manifestação eleitoral de etnia subnacionalista que serve de partilha do poder.
O último princípio é o papel dos compromissos federais no desenvolvimento de um estado de bem-estar espanhol ao longo das linhas europeias. Conforme Rose (1985), “o trabalho rotineiro do Estado moderno opera funcionalmente através dos múltiplos níveis mas contam com "níveis mais baixos" para levar a cabo programas centralmente autorizados, financiados, e regulamentados. Embora altamente favorável dos regimes de Governo Autónomo, o Tribunal Constitucional tem tomado uma série de decisões, preservando o poder do governo nacional para fiscalizar, supervisionar, e até mesmo intervir no âmbito de assuntos das Comunidades Autónomas. O tribunal tem afirmado que, embora gerais, regionais e locais os interesses podem ser claramente diferenciados e as instituições centrais têm plena responsabilidade pela promoção e protecção dos "interesses gerais".
Em síntese, o Estado das Autonomias pode ter sido originalmente concebido para ser unitário com a devolução das funcionalidades autónomas, mas está cada vez mais federal. O desenvolvimento operacional do negócio constitucional revela um conjunto de dinâmicas políticas e ajustamentos operacionais que se enquadram nas novas modalidades. O desafio de governar dentro da Constituição pós-franquista inclui significativos contratos de governação de segunda linha, construindo, assim, uma forma criativa de federalismo. Não há dúvida, também, que muitas forças que levaram à transformação política na Espanha (transferência do poder dos estados), oferecem lições para outros estados em conversão. A construção de novos sistemas políticos exige trabalho através do processo de "convivência civil”. O federalismo Espanhol é, segundo Robert Agranoff, “uma forma incompleta de federação clássica”. O Senado representa os territórios de uma forma fraca e tem menos poder que o Congresso de Deputados no que diz respeito à matéria de legislação e controlo do Governo. A contínua valorização do regime federal é o mais provável rumo ao futuro. Portanto, a derradeira questão que se coloca: não é se a Espanha se torna uma federação, mas se as regras federais que se tornaram no modo de governo espanhol vão reforçar a sua estabilidade e promover as outras vantagens que tal Governo pode trazer.

A Assembleia da República de 1976 a 1999: da legislação à legitimação

A Assembleia da República sofreu, durante os seus vinte anos de existência, profundas mudanças. Estas mudanças são um indicador do inerente desenvolvimento político da, ainda jovem, democracia portuguesa. Irá procura-se identificar o modo como as mudanças levaram à adopção de um novo papel da Assembleia da República, ou seja, a passagem de uma instituição orientada para a legislação, para uma instituição orientada para a legitimação. Esta análise assenta em três dimensões: o quadro regimental; o processo legislativo (“na falta de melhor tradução de policy-making”) onde Michael Mezey e Philip Norton identificam vários, e graduais, níveis de intervenção do parlamento no processo de feitura e promulgação da legislação; e a legitimação que se baseia no conceito amplificado, por Robert Pakenham, com a identificação de funções “não decisionais” executadas pela instituição parlamentar. A legitimação pode ser entendida como “o processo de expressão pelo parlamento de petições e problemas da sociedade”.
Em 1974, com base no programa do MFA, formou-se uma assembleia unicamaral de forma a cortar com o passado. A Constituição aprovada em 1976 estabeleceu um lugar de destaque no sistema político nacional à Assembleia da República, não dando, contudo, o desmesurado parlamentarismo da I República. O poder político ramifica-se entre o Presidente da República, o parlamento e o governo. De 1974 a 1976, o rumo da democracia portuguesa foi decidido num confronto entre dois grupos que idealizavam regimes diferentes. Por um lado a democracia parlamentar, transitoriamente vigiada por um órgão militar, era defendida (sendo esta a apoiada pela maioria da população nas eleições da Assembleia Constituinte) e por outro lado era defendido um modelo revolucionário sob o domínio militar e com representação política directa. Desde 1976-1985 e, em apenas três legislaturas, nove governos diferentes tomaram posse: um minoritário, cinco maioritários com coligação, passando por três governos presidenciais. O aparecimento, em 1985 (IV Legislatura e o primeiro governo de Cavaco Silva), do quinto partido político – Partido Renovador Democrático (PRD) – originou o “terramoto político” em que originou uma assembleia com uma representação dispersa e sem um poder identificável. Nessa mesma legislatura outros dois factores marcaram uma relevante mudança na sociedade portuguesa, foram eles: a eleição do primeiro Presidente da República civil, em 1986, Mário Soares (é relevante dizer, também, que todos os candidatos eram civis) e a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia. No entanto, a mudança propriamente dita iria ocorrer em 1987 aquando da aprovação da moção de censura ao governo por parte do PRD. A Assembleia foi dissolvida e as eleições deram a maioria absoluta ao PSD. Pode-se, então, afirmar que em 1987 um novo ciclo democrático foi catecúmeno através da estabilidade política obtida.
No que diz respeito às características institucionais, a Assembleia da República é eleita por quatro anos e os 230 deputados são eleitos por um sistema de representação proporcional, que prevalece em toda a actividade do parlamento bem como nos órgãos que a entregam, de acordo com a média mais alta de Hondt. Uma das consequências deste sistema é o peso que os grupos parlamentares têm em prejuízo do deputado. O grupo parlamentar (GP) é a “unidade base de actuação da Assembleia” (Cristina Leston-Bandeira). A Conferência dos Representantes – “onde se toma decisões sobre a agenda do plenário que é composta por um representante de cada GP e do governo bem como pelo presidente da Assembleia da República” (Cristina Leston-Bandeira) – dos GPs, isto é, a Conferência dos Líderes, traduz a centralização da actividade parlamentar sobre o GP. É necessário dizer que os GPs portugueses, tal como em outros parlamentos de representação proporcional, perfilham uma forte disciplina partidária.
A actividade da Assembleia da República está regulamentada ao Regimento que tem sofrido alterações. Em 1982 uma nova edição do Regimento foi publicada em que consistia numa “adaptação à nova numeração constitucional”. No entanto,a primeira grande revisão foi feita entre 1984 e 1985 onde os procedimentos parlamentares foram largamente revistos em que se verificou dois efeitos essenciais. Um foi a “regulamentação da prática parlamentar” e outro, o “esforço de racionalização dos procedimentos parlamentares”. Contudo só com a revisão de 1988 é que se viria a materializar a racionalização da actividade da Assembleia da República.
Em 1976, segundo Cristina Leston-Bandeira, “o parlamento era dominado por debates do plenário onde todos os procedimentos administrativos legislativos aconteciam na Câmara e as comissões tinham pouca autonomia nas competências que lhes estavam adscritas”. Hoje em dia dá-se primazia à duração dos plenários (que durava cerca de três dias enquanto que nos dias de hoje duram apenas uma sessão). Esta diminuição do tempo utilizado na Câmara serve, principalmente, para uma “redução explícita do limite de tempo indicado no Regimento em relação a um tipo de debate e, por outro lado, a remissão para a Conferência de Líderes da decisão quanto ao tempo global a utilizar em cada debate” bem como na disposição entre os GPs. Esta queda da preponderância da Câmara foi seguido por uma “transferência de competências para as comissões”. Estas comissões não podiam reunir-se ao mesmo tempo que o plenário. Isto mudou em 1985 e em 1988 aditou-se-lhes a “etapa da especialidade”. E, a partir de 1993, a maior parte das reuniões em comissão puderam ser presenciadas pela comunicação social. Pode-se, portanto, dizer que tem havido uma reorganização de funções entre o plenário e as comissões.
Outra característica do processo de racionalização tem sido como os critérios maioritários têm substituído os critérios consensuais na distribuição de direitos e responsabilidades. Os direitos parlamentares estão cada vez mais favoráveis aos GPs de maiores dimensões. As grandes alterações deste processo foram no âmbito do direito dos GPs e na regra de decisão da Conferência de Líderes, em que foi introduzida a regra maioritária, isto é, desde 1985 que as decisões são tomadas por maioria quando não há consenso. Esta revisão (1985) implementou a regulação da distribuição de direitos parlamentares de acordo com a dimensão de um GP, pertencendo-se ou não ao Governo. Esta dimensão do GP tornou-se um factor-chave com o reforço dos critérios maioritários em 1988.
A Constituição portuguesa outorga um papel legislativo essencial à Assembleia da República. A Constituição determina matérias sobre as quais o parlamento detém reserva absoluta de competência legislativa, ou seja, apenas este pode propor, emendar e aprovar; quando a competência é relativa, o Governo pode legislar pelos seus próprios meios, com a devida autorização. O Governo, também pode produzir legislação (decretos-lei) desde que respeite as competências do parlamento. Além das reservas de competência, o parlamento pode aprovar determinada legislação com base em maiorias qualificadas, desde que Constitucionalmente previstas.
Pode-se afirmar que com a instituição do quadro legal do regime democrático, o papel da Assembleia da República no processo legislativo foi sendo cada vez menos importante, uma vez que aumentava a necessidade de uma legislação mais específica e regulamentadora – competência especificamente governamental. No entanto, ainda hoje, o parlamento, dependente do tipo de maioria partidária, tem um papel relevante no processo legislativo.
As propostas de lei adoptam uma consideração muito mais positiva que os projectos de lei, uma vez que, existe uma proporção maior de propostas discutidas na generalidade, bem como aprovadas em votação final, sendo um menor número de leis rejeitadas.
Uma proporção importante das propostas de lei reporta-se a pedidos de autorização legislativa que representam uma “extensão do poder legislativo do parlamento e exige-se-lhe que defina com clareza o objecto e o sentido da matéria sobre a qual se pretende legislar”. Então, pode-se afirmar que o papel da Assembleia da República no processo de feitura das leis é importante e varia de acordo com o apoio parlamentar do governo.
A Assembleia da República poderia submeter todos os decretos-lei a uma apreciação parlamentar mas, dificilmente, teria capacidade de fiscalização de todos os decretos publicados. Então, o papel da Assembleia da República, embora importante, é parcial uma vez que a legislação governamental detém um enorme peso.
O Orçamento de Estado (OE) é um importante indicador da capacidade da Assembleia de condicionar o processo legislativo. Da análise de 1983 a 1995, de Philip Norton, dos debates do OE, chegou-se a uma “tipificação do papel da Assembleia da República no processo legislativo”: parlamento influenciador (“policy-influencing”) “que consegue modificar e rejeitar as medidas apresentadas pelo executivo mas não consegue substituí-las pelas suas próprias propostas”; parlamento produtor (“policy-making”) que modifica e rejeita e substitui as medidas propostas pelo executivo; parlamento com pouco ou nenhum impacto no processo legislativo (ligeslature with little or no policy affect”) que não consegue modificar, rejeitar nem modificar as medidas propostas pelo governo.
Pode-se concluir, então, que a Assembleia da República dos anos 90 é diferente da de 1976. As primordiais características do sistema político não se alteraram e o sistema partidário tem-se mantido estável, mas é sabido que a situação política nacional foi bastante alterada e a Assembleia da República adaptou-se a estas alterações. No período de tensão entre um modelo revolucionário e outro que sustentava uma democracia representativa, a Assembleia Constituinte surgiu “como uma afirmação do ideal parlamentar” com um forte apoio populacional. Na consolidação da democracia, a Constituição determinou poderes legislativos e políticos à Assembleia da República, onde as forças políticas aferiram o sistema.
Em 1985-1987 (V Legislatura) vários factores específicos deram início a um parlamento singular em que a oposição conservava o poder decisional. “A eleição de uma maioria absoluta marcou o início de um novo ciclo do parlamento português” onde os procedimentos foram racionalizados e reduzido o tempo de competências do plenário. No entanto, e à medida que o poder decisional perdia fulgor, a imagem do parlamento declinava-se também. Neste contexto deu-se a revisão regimental de 1993 que estabeleceu alguns elementos importantes que proporcionaram a adaptação do parlamento português a um novo papel. A partir daí, o parlamento tem respondido de uma forma mais rápida e directa aos “inputs da sociedade”. Pode-se, então, afirmar que a Assembleia da República tem amplificado o seu papel de instituição de legitimação. Actualmente, a Assembleia da República, é vista como uma instituição mais forte, uma vez que aumentou o seu papel de legitimação. Contudo, ainda terá de se "percorrer um longo caminho para uma real profissionalização da vida parlamentar portuguesa", isto é, o designado amadurecimento.