segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Transitologia, Consolidologia e Democracia.

O principal objectivo do texto é identificar os pontos mais importantes dos conceitos realizados sobre os processos de transição e consolidação democrática na América Latina e debater a noção de democracias que lhes estão adjacentes e, por outro lado, elaborar algumas críticas.
Então para melhor se compreender as ideias expostas neste texto é necessário definir alguns conceitos chave. Segundo Schumpeter, o “método democrático consiste no arranjo institucional necessário para chegar a decisões políticas no qual algumas pessoas alcançam o poder de decidir através de uma competição destinada a obter o voto” assim é vista a definição de democracia; A transição democrática é um período de tempo bastante incerto que ocorre entre a queda de um regime (seja ele democrático ou não) e a tomada de posse do regime substituto, em que este terá de assegurar por completo o controle das redes do poder. Gabriel Vitullo, afirma que a transição democrática só é considerada terminada quando o novo regime logra instituições regulares e quando as novas autoridades conseguem-se impor aos militares ou às instituições que anteriormente controlavam o aparelho do Estado o que nos leva à consolidação democrática. Schedler (2001: 67), afirma que “consolidação democrática não é uma coisa mas um argumento, não é um objecto mas sim uma inferência”. E o que é uma inferência? Inferência é uma ilação ou dedução. Na lógica, inferência é a passagem através de regras do antecedente para o consequente de um argumento. Gabriel Vitullo afirma que durante as últimas décadas foi produzida bastante literatura sobre o processo de democratização no mundo, sendo, com esta literatura, possível estabelecer comparações internacionais entre países homogéneos mas também entre países bastante diferentes. Para Guilhot e Schumitter (2000, p. 615), estes esforços constituíram a origem de duas novas disciplinas que se relacionam entre si: a “transitologia” e a “consolidologia”. Estas duas novas disciplinas têm proporcionado uma continuidade à sequência que fora iniciada pelos vários estudos sobre os regimes autoritários e a sua deterioração que levam à estabilização das instituições democráticas. Para Guy Hermet (1993, p. 219-220) o factor tempo é o que realmente importa neste tipo de análises, pois não há conteúdos que permitem determinar o processo de transição.
Esta postura teórico-metedológica indica que uns dos vários responsáveis pela fractura dos regimes democráticos precedentes eram: as debilidades da burguesia nacional; as estruturas pobres das classes sociais e a dependência dos grandes centros económicos e financeiros internacionais. A democracia, então, passou a ser vista como o resultado de habilidades, tomadas de decisões e estratégias racionais desdobradas pelos grupos dirigentes e actores políticos mais relevantes. Com base nesta nova forma de ver a democracia, os vários quadros e situações políticas dependerão, essencialmente, das “jogadas” e das “interacções contingentes” efectuadas pelos participantes. Como afirma Javier Santiso (1993, p.975) “o espaço qualitativo fundamental, em cujo interior pode dar-se os processos de democratização, fica agora definido pelos actores e as acções e caminhos que eles escolham e já não mais pelas grandes questões económicas ou sociais”.
Segundo esta perspectiva, a disposição das elites irá determinar as probabilidades de uma brecha para a democracia e os traços mais marcantes que esta última virá assumir. As decisões dos principais líderes políticos passam a ser a “matéria-prima” que terão os investigadores de trabalhar para conseguirem explicar os processos de mudança de regime. Como diz Vitullo, para os investigadores a catalisação da democratização não decorre de factores macroestruturais mas, sim, dos gestos e atitudes por parte de alguns “indivíduos-chave”.
De forma a fundamentar esta mudança epistemológica, principalmente por aqueles que aderiram ao estruturalismo, esta nova corrente defende um “excepcionalíssimo metodológico”, sendo este outro elemento caracterizador. Os autores que aderem ao novo paradigma, segundo Vitullo, “justificam-no pelo excepcional das próprias situações sob estudo”, isto é, as ciências sociais são consideradas por eles como ciências sociais normais que têm sido pensadas para períodos de estabilidade política não analisando, assim, correctamente as mudanças de regime. Para Schmitter, O’Donnell, Di Palma e Whitehead, as transições representam situações políticas imprevisíveis, momentos históricos em aberto que a direcção dependerá das eleições e estratégias adoptadas pelos agentes políticos. Segundo Dorby (2000 p.606) na transitologia não existem determinismos nem causalidades estruturais.
Terry Karl (1990), em colaboração com Schmitter (Karl & Schmitter, 1991), procurou comprovar que, “pequenas diferenças na primeira etapa da democratização podem produzir efeitos de grande magnitude e de longo alcance nas etapas posteriores”. Karl afirma que as eleições anteriores influenciam os futuros resultados dos processos de consolidação democrática. Procura-se, então, estudar de que forma as variações nos modos de transição reflectem-se sobre os eventos posteriores e considera que as transições – ou períodos de mudança – são momentos chave para perceber o desenvolvimento político posterior.
No entanto, pode-se apontar algumas críticas à transitologia. É possível questionar a legitimidade de aglomerar num mesmo conjunto situações tão díspares como as vividas na América Latina, Sul e Leste da Europa. Englobar o continente latino-americano numa única e igual análise é demasiado abstracto, pois assumir como homogénea os planos políticos, cultural, económico e social de uma região tão vasta poderá ser um erro. Considera-se que a generalizações e padrões comuns nos processos de transição política impedem uma observação e análise concreta das singularidades de cada caso e dificultam, também, a melhor avaliação possível do tipo de democracia que se ia formando em cada um dos países. Como diz Carlos Arturi (2000, p.5) “é necessário um enfoque mais sensível às complexidades e variações nacionais dos fenómenos sob análise”.
Outra crítica que se pode apontar é a concepção democrática minimalista subjacente à transição política e democratização. Estas conceitualizações desenvolvidas debaixo desta perspectiva “implicam pressupostos normativos que nem sempre são explicados acerca das características que deve reunir uma democracia para ser considerada estável”.
O facto de responsabilizar só as acções estratégicas, as condutas racionais e a habilidade de alguns indivíduos pelos processos de transição e democratização, acarreta uma enorme obliquidade elitista. Como diz Bunce (2000, p. 635) “ficar nesse único plano de análise implica dizer que são as elites e não a sociedade, a política e não a economia, os processos internos e não as influências internacionais, que constituem os factores cruciais da democratização e que, portanto a democracia pode ser confeccionada ou desmontada de acordo com as opções ou decisões tomadas por um reduzido grupo de lideranças políticas.”
Outra questão importante diz respeito à visão “etapista” dos processos políticos inserida nestes estudos. Não há razão para concordar com os transitólogos quando defendem que devem ser consolidadas, em primeiro lugar, as instituições democrático-liberais, e só posteriormente adoptar os desafios que implicam uma democratização social e económica mais forte.
Em suma, terá que se deixar de ter esta leitura dicotómica e restabelecer a importância das componentes socioeconómicas, bem como terá que se prestar maior atenção aos sentimentos e atitudes da cidadania face à realidade política. Esta mudança irá permitir começar a traçar novos caminhos teórico-metedológicos que permitam um melhor conhecimento de como as democracias funcionam, “abandonando a preocupação como uma mera sobrevivência formal das instituições”, para aprofundar o estudo da sua qualidade, densidade social e da sua legitimidade popular.

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