sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Evolução Federal em Espanha

O sistema espanhol representa uma “federação incompleta”. A forma de governação regional espanhola tornou-se num Federalismo com outras forças na construção democrática. Estas forças, para Bañón e Elazar, incluíam a construção do próprio Governo representativo e de uma burocracia responsiva; enfrentar os desafios de um Estado social; a promoção de uma democracia social e do envolvimento da Espanha na Comunidade Europeia.
A evolução em Espanha representa um federalismo "pós-moderno", ou seja, a reconstrução dos Estados reflectindo a mudança paradigmática para uma não centralização (noncentralization) federal baseada em formas de divisão do poder. Entende-se por “noncentralization” como sendo uma forma de garantir, na prática, que a entidade a participar no exercício do poder político não pode ser retirado em geral, ou os governos estaduais, sem comum acordo.
A este respeito, é necessário definir alguns termos: "federal" é usado para indicar a sua maior utilização histórica de incluir uma variedade de contratos federais (federal arrangements). “Federalismo” refere-se à recomendação, apoio activo e movimento em direcção a uma autonomia constitucional e “Federação”, por sua vez, refere-se mais restritamente a um "contrato institucional de facto" (institutional arrangement of fact), onde o governo central inclui unidades regionais na sua decisão sobre algum procedimento bem estabelecido constitucionalmente.
O primeiro princípio do federalismo “pós-moderno” a ser demonstrado através da experiência espanhola é a de que uma federação constitucionalmente criada não era vista como a rota para o federalismo. Era sim, desenvolvida a partir de um regime federal não-constitucional que estimulava a autonomia. Para Carl Friedrich, o federalismo tem vindo a ser vulgarmente conhecido como o processo pelo qual políticas distintas entram em consenso para actuarem juntas. Também, poderá ser visto como o processo pelo qual uma política unitária se torna diferenciada num conjunto organizado federal. “Relações federais são relações oscilantes da própria natureza das coisas” (Friedrich 1968: 7).
A transição espanhola elevou-se a uma das primeiras “revoluções de veludo” (“velvet revolutions”) em que a democracia foi instaurada pacificamente dentro de processos constitucionais e legais existentes. Com o processo da criação da Constituição, as várias posições políticas tiveram de fazer escolhas no que diz respeito ao exercício da autoridade política. A Extrema-Direita Franquista queria conservar o Estado unitário e centralizado e resistir a qualquer menção de grupos étnicos ou “nacionalidades” presentes na Constituição. Por seu lado, a Esquerda queria uma espécie de “federação plurinacional” (“plurinational federation”). O Rei Juan Carlos e o Presidente Adolfo Suárez favoreceram a resolução da questão regional com um Estado unitário descentralizado. Suárez que liderava o partido de coligação centro-direita, UCD, favoreceu uma forma de autonomia regional. “Suárez favoreceu uma descentralização administrativa mas resistindo a uma autonomia ou federação e foi, pela primeira vez, consentido pela maioria dos partidos tanto à esquerda como à direita.”
A Constituição consignou um sistema de três níveis (“three-tiered system”) incluindo um novo governo regional de segundo nível (“new second-tier regional government”). Para além do Governo Central, a Constituição permite que o país se possa organizar em “municípios, províncias e regiões autónomas”, sendo estes auto-governados. Cada Governo territorial possuiu um órgão legislativo unicamaral eleito (Assembleia), um Conselho de Ministros do Governo (“cabinet”), um corpo administrativo e possui alguns poderes exclusivos bem como uma série de competências. As Comunidades Autónomas (que são ao todo 17 em Espanha) têm o direito de iniciativa legislativa no parlamento e os seus poderes e deveres emanam da Constituição e dos seus estatutos autónomos originais (“original autonomy statutes”). Estas Comunidades Autónomas são controladas por assembleias regionais (“single-chamber assemblies”), eleitas em ciclos de quatro anos que por sua vez elegem um presidente e um executivo regional e operam com ministros regionais. Em cada território, os partidos políticos e os sistemas eleitorais têm surgido ou através de versões regionais dos principais partidos espanhóis ou então através de partidos regionais nacionalistas que suportaram as Comunidades Autónomas através de eleições regionais bem como preocupações gerais.
O segundo princípio refere-se à evolução pactuada através de acordos negociados. Embora não se negue a base da federação conventual, distintas formas federais podem surgir através de pactos não-federados. Tais sistemas podem demonstrar crítica de funcionalidades federais, tais como a autonomia constitucionalmente enraizada (“constitutionally entrenched autonomy”) e “auto-regra e regra partilhada” (“self-rule plus shared rule”) (Elazar, 1987a). Durante o período da pré-constituição (1975-78) e na própria Constituição espanhola, os responsáveis pela mesma, estavam relutantes em rotular como um sistema federal devido às suas múltiplas implicações. O termo “federal” também não poderia ser utilizado para não ser, de forma alguma, reconhecidas nenhumas alegações aos nacionalistas étnicos que se poderiam basear na noção histórica que Estados independentes poderiam formar um Estado-Maior. A Constituição é, no entanto, claramente construída nos princípios de unidade nacional e incorporação plural de princípios, envolvendo a autonomia de uma variedade de interesses respectivos, incluindo as subunidades de governação. A unidade nacional é conjugada com o princípio da solidariedade entre as regiões e os estados. Encontrar a linha entre unidade e diversidade tem sido o principal desafio.
O terceiro princípio fala-nos sobre a complementar construção de instituições democráticas e da distribuição territorial do poder. Os processos de construção do “estado de las autonomías” e da democracia são “duas faces da mesma moeda”. Como diz Diaz-López (1956: 266) “as ideias da democracia e autonomia foram inseparáveis de tal forma que o processo de descentralização política em Espanha considera-se fundamental à liberdade e à democracia”. No que diz respeito à democracia e autonomia, Schmitter (1993), refere-se ao fomento da autonomia local como uma possível componente da sequência transformadora de processos comuns a tais transições.
A componente de democratização governamental tem sido discutida em relação à construção das 17 Comunidades Autónomas. Este é o desenvolvimento mais importante de como um Governo que era considerado fraco mas altamente centralizado, lenta e relutantemente tornou-se num Governo com poderes descendentes. Os Governos locais também tiveram de se tornar parte do novo regime democrático. A transição desencadeou conselhos (diputaciones) provinciais eleitos nos territórios onde as províncias não foram fundidas com as Comunidades Autónomas juntamente com conselhos eleitos. Enquanto os conselhos têm vindo a perder as suas funções para as Comunidades Autónomas, corporações municipais de grande envergadura suportam grandes responsabilidades de serviço.
O sistema eleitoral ligado aos três níveis é, claramente, entre os aspectos mais importantes de democratização. O número de transições eleitorais que têm ocorrido marca o surgimento de democratização. O governo nacional foi controlado pelo PSOE a partir de 1982. Contudo o controlo subnacional é mais variável, com predominância étnica do partido nacionalista no País Basco e na Catalunha, e o principal partido da oposição, PP, controla as maiores cidades.
O quarto princípio baseia-se nos conflitos centro-periferia. O problema da periferia foi que, durante o período Franquista, muitos catalães e bascos estavam dispostos a admitir que Madrid poderia ser o Governo de seu "Estado" mas não representava a sua identificação nacional. A questão central é a medida em que o “estado de las autonomias” contribuiu para acomodar o reconhecimento das minorias étnicas subnacionais de demandas por meio dos seus direitos. Primeiro a autonomia libertou os governos das suas áreas periféricas que detêm poder sobre decisões importantes e cargos públicos. Enquanto um poderia ter problemas com as competências particulares que lhe têm sido atribuídas, as Comunidades Autónomas assumem responsabilidades pelos serviços da comunidade, assuntos culturais, entre outros que significou um crescimento da etnia subcultural apoiada pela auto-governação. Em segundo lugar, algumas políticas públicas entre o centro e periferia têm tentado encontrar um equilíbrio entre unidade e diversidade. Por fim, a representação do partido nacionalista e controlo das Comunidades Autónomas fornece uma manifestação eleitoral de etnia subnacionalista que serve de partilha do poder.
O último princípio é o papel dos compromissos federais no desenvolvimento de um estado de bem-estar espanhol ao longo das linhas europeias. Conforme Rose (1985), “o trabalho rotineiro do Estado moderno opera funcionalmente através dos múltiplos níveis mas contam com "níveis mais baixos" para levar a cabo programas centralmente autorizados, financiados, e regulamentados. Embora altamente favorável dos regimes de Governo Autónomo, o Tribunal Constitucional tem tomado uma série de decisões, preservando o poder do governo nacional para fiscalizar, supervisionar, e até mesmo intervir no âmbito de assuntos das Comunidades Autónomas. O tribunal tem afirmado que, embora gerais, regionais e locais os interesses podem ser claramente diferenciados e as instituições centrais têm plena responsabilidade pela promoção e protecção dos "interesses gerais".
Em síntese, o Estado das Autonomias pode ter sido originalmente concebido para ser unitário com a devolução das funcionalidades autónomas, mas está cada vez mais federal. O desenvolvimento operacional do negócio constitucional revela um conjunto de dinâmicas políticas e ajustamentos operacionais que se enquadram nas novas modalidades. O desafio de governar dentro da Constituição pós-franquista inclui significativos contratos de governação de segunda linha, construindo, assim, uma forma criativa de federalismo. Não há dúvida, também, que muitas forças que levaram à transformação política na Espanha (transferência do poder dos estados), oferecem lições para outros estados em conversão. A construção de novos sistemas políticos exige trabalho através do processo de "convivência civil”. O federalismo Espanhol é, segundo Robert Agranoff, “uma forma incompleta de federação clássica”. O Senado representa os territórios de uma forma fraca e tem menos poder que o Congresso de Deputados no que diz respeito à matéria de legislação e controlo do Governo. A contínua valorização do regime federal é o mais provável rumo ao futuro. Portanto, a derradeira questão que se coloca: não é se a Espanha se torna uma federação, mas se as regras federais que se tornaram no modo de governo espanhol vão reforçar a sua estabilidade e promover as outras vantagens que tal Governo pode trazer.

A Assembleia da República de 1976 a 1999: da legislação à legitimação

A Assembleia da República sofreu, durante os seus vinte anos de existência, profundas mudanças. Estas mudanças são um indicador do inerente desenvolvimento político da, ainda jovem, democracia portuguesa. Irá procura-se identificar o modo como as mudanças levaram à adopção de um novo papel da Assembleia da República, ou seja, a passagem de uma instituição orientada para a legislação, para uma instituição orientada para a legitimação. Esta análise assenta em três dimensões: o quadro regimental; o processo legislativo (“na falta de melhor tradução de policy-making”) onde Michael Mezey e Philip Norton identificam vários, e graduais, níveis de intervenção do parlamento no processo de feitura e promulgação da legislação; e a legitimação que se baseia no conceito amplificado, por Robert Pakenham, com a identificação de funções “não decisionais” executadas pela instituição parlamentar. A legitimação pode ser entendida como “o processo de expressão pelo parlamento de petições e problemas da sociedade”.
Em 1974, com base no programa do MFA, formou-se uma assembleia unicamaral de forma a cortar com o passado. A Constituição aprovada em 1976 estabeleceu um lugar de destaque no sistema político nacional à Assembleia da República, não dando, contudo, o desmesurado parlamentarismo da I República. O poder político ramifica-se entre o Presidente da República, o parlamento e o governo. De 1974 a 1976, o rumo da democracia portuguesa foi decidido num confronto entre dois grupos que idealizavam regimes diferentes. Por um lado a democracia parlamentar, transitoriamente vigiada por um órgão militar, era defendida (sendo esta a apoiada pela maioria da população nas eleições da Assembleia Constituinte) e por outro lado era defendido um modelo revolucionário sob o domínio militar e com representação política directa. Desde 1976-1985 e, em apenas três legislaturas, nove governos diferentes tomaram posse: um minoritário, cinco maioritários com coligação, passando por três governos presidenciais. O aparecimento, em 1985 (IV Legislatura e o primeiro governo de Cavaco Silva), do quinto partido político – Partido Renovador Democrático (PRD) – originou o “terramoto político” em que originou uma assembleia com uma representação dispersa e sem um poder identificável. Nessa mesma legislatura outros dois factores marcaram uma relevante mudança na sociedade portuguesa, foram eles: a eleição do primeiro Presidente da República civil, em 1986, Mário Soares (é relevante dizer, também, que todos os candidatos eram civis) e a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia. No entanto, a mudança propriamente dita iria ocorrer em 1987 aquando da aprovação da moção de censura ao governo por parte do PRD. A Assembleia foi dissolvida e as eleições deram a maioria absoluta ao PSD. Pode-se, então, afirmar que em 1987 um novo ciclo democrático foi catecúmeno através da estabilidade política obtida.
No que diz respeito às características institucionais, a Assembleia da República é eleita por quatro anos e os 230 deputados são eleitos por um sistema de representação proporcional, que prevalece em toda a actividade do parlamento bem como nos órgãos que a entregam, de acordo com a média mais alta de Hondt. Uma das consequências deste sistema é o peso que os grupos parlamentares têm em prejuízo do deputado. O grupo parlamentar (GP) é a “unidade base de actuação da Assembleia” (Cristina Leston-Bandeira). A Conferência dos Representantes – “onde se toma decisões sobre a agenda do plenário que é composta por um representante de cada GP e do governo bem como pelo presidente da Assembleia da República” (Cristina Leston-Bandeira) – dos GPs, isto é, a Conferência dos Líderes, traduz a centralização da actividade parlamentar sobre o GP. É necessário dizer que os GPs portugueses, tal como em outros parlamentos de representação proporcional, perfilham uma forte disciplina partidária.
A actividade da Assembleia da República está regulamentada ao Regimento que tem sofrido alterações. Em 1982 uma nova edição do Regimento foi publicada em que consistia numa “adaptação à nova numeração constitucional”. No entanto,a primeira grande revisão foi feita entre 1984 e 1985 onde os procedimentos parlamentares foram largamente revistos em que se verificou dois efeitos essenciais. Um foi a “regulamentação da prática parlamentar” e outro, o “esforço de racionalização dos procedimentos parlamentares”. Contudo só com a revisão de 1988 é que se viria a materializar a racionalização da actividade da Assembleia da República.
Em 1976, segundo Cristina Leston-Bandeira, “o parlamento era dominado por debates do plenário onde todos os procedimentos administrativos legislativos aconteciam na Câmara e as comissões tinham pouca autonomia nas competências que lhes estavam adscritas”. Hoje em dia dá-se primazia à duração dos plenários (que durava cerca de três dias enquanto que nos dias de hoje duram apenas uma sessão). Esta diminuição do tempo utilizado na Câmara serve, principalmente, para uma “redução explícita do limite de tempo indicado no Regimento em relação a um tipo de debate e, por outro lado, a remissão para a Conferência de Líderes da decisão quanto ao tempo global a utilizar em cada debate” bem como na disposição entre os GPs. Esta queda da preponderância da Câmara foi seguido por uma “transferência de competências para as comissões”. Estas comissões não podiam reunir-se ao mesmo tempo que o plenário. Isto mudou em 1985 e em 1988 aditou-se-lhes a “etapa da especialidade”. E, a partir de 1993, a maior parte das reuniões em comissão puderam ser presenciadas pela comunicação social. Pode-se, portanto, dizer que tem havido uma reorganização de funções entre o plenário e as comissões.
Outra característica do processo de racionalização tem sido como os critérios maioritários têm substituído os critérios consensuais na distribuição de direitos e responsabilidades. Os direitos parlamentares estão cada vez mais favoráveis aos GPs de maiores dimensões. As grandes alterações deste processo foram no âmbito do direito dos GPs e na regra de decisão da Conferência de Líderes, em que foi introduzida a regra maioritária, isto é, desde 1985 que as decisões são tomadas por maioria quando não há consenso. Esta revisão (1985) implementou a regulação da distribuição de direitos parlamentares de acordo com a dimensão de um GP, pertencendo-se ou não ao Governo. Esta dimensão do GP tornou-se um factor-chave com o reforço dos critérios maioritários em 1988.
A Constituição portuguesa outorga um papel legislativo essencial à Assembleia da República. A Constituição determina matérias sobre as quais o parlamento detém reserva absoluta de competência legislativa, ou seja, apenas este pode propor, emendar e aprovar; quando a competência é relativa, o Governo pode legislar pelos seus próprios meios, com a devida autorização. O Governo, também pode produzir legislação (decretos-lei) desde que respeite as competências do parlamento. Além das reservas de competência, o parlamento pode aprovar determinada legislação com base em maiorias qualificadas, desde que Constitucionalmente previstas.
Pode-se afirmar que com a instituição do quadro legal do regime democrático, o papel da Assembleia da República no processo legislativo foi sendo cada vez menos importante, uma vez que aumentava a necessidade de uma legislação mais específica e regulamentadora – competência especificamente governamental. No entanto, ainda hoje, o parlamento, dependente do tipo de maioria partidária, tem um papel relevante no processo legislativo.
As propostas de lei adoptam uma consideração muito mais positiva que os projectos de lei, uma vez que, existe uma proporção maior de propostas discutidas na generalidade, bem como aprovadas em votação final, sendo um menor número de leis rejeitadas.
Uma proporção importante das propostas de lei reporta-se a pedidos de autorização legislativa que representam uma “extensão do poder legislativo do parlamento e exige-se-lhe que defina com clareza o objecto e o sentido da matéria sobre a qual se pretende legislar”. Então, pode-se afirmar que o papel da Assembleia da República no processo de feitura das leis é importante e varia de acordo com o apoio parlamentar do governo.
A Assembleia da República poderia submeter todos os decretos-lei a uma apreciação parlamentar mas, dificilmente, teria capacidade de fiscalização de todos os decretos publicados. Então, o papel da Assembleia da República, embora importante, é parcial uma vez que a legislação governamental detém um enorme peso.
O Orçamento de Estado (OE) é um importante indicador da capacidade da Assembleia de condicionar o processo legislativo. Da análise de 1983 a 1995, de Philip Norton, dos debates do OE, chegou-se a uma “tipificação do papel da Assembleia da República no processo legislativo”: parlamento influenciador (“policy-influencing”) “que consegue modificar e rejeitar as medidas apresentadas pelo executivo mas não consegue substituí-las pelas suas próprias propostas”; parlamento produtor (“policy-making”) que modifica e rejeita e substitui as medidas propostas pelo executivo; parlamento com pouco ou nenhum impacto no processo legislativo (ligeslature with little or no policy affect”) que não consegue modificar, rejeitar nem modificar as medidas propostas pelo governo.
Pode-se concluir, então, que a Assembleia da República dos anos 90 é diferente da de 1976. As primordiais características do sistema político não se alteraram e o sistema partidário tem-se mantido estável, mas é sabido que a situação política nacional foi bastante alterada e a Assembleia da República adaptou-se a estas alterações. No período de tensão entre um modelo revolucionário e outro que sustentava uma democracia representativa, a Assembleia Constituinte surgiu “como uma afirmação do ideal parlamentar” com um forte apoio populacional. Na consolidação da democracia, a Constituição determinou poderes legislativos e políticos à Assembleia da República, onde as forças políticas aferiram o sistema.
Em 1985-1987 (V Legislatura) vários factores específicos deram início a um parlamento singular em que a oposição conservava o poder decisional. “A eleição de uma maioria absoluta marcou o início de um novo ciclo do parlamento português” onde os procedimentos foram racionalizados e reduzido o tempo de competências do plenário. No entanto, e à medida que o poder decisional perdia fulgor, a imagem do parlamento declinava-se também. Neste contexto deu-se a revisão regimental de 1993 que estabeleceu alguns elementos importantes que proporcionaram a adaptação do parlamento português a um novo papel. A partir daí, o parlamento tem respondido de uma forma mais rápida e directa aos “inputs da sociedade”. Pode-se, então, afirmar que a Assembleia da República tem amplificado o seu papel de instituição de legitimação. Actualmente, a Assembleia da República, é vista como uma instituição mais forte, uma vez que aumentou o seu papel de legitimação. Contudo, ainda terá de se "percorrer um longo caminho para uma real profissionalização da vida parlamentar portuguesa", isto é, o designado amadurecimento.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Será que o Rendimento Social de Inserção é sustentado pela Teoria da Justiça como Equidade de John Rawls? (Parte IV de IV)

Ponto de vista rawlsiano sobre o Rendimento Social de Inserção e sua aplicação

Quando se tenta responder à questão “para quem produzir” há a necessidade de gerar políticas públicas que tenham em vista a distribuição dos recursos e, também, a administração da justiça e equidade. O cálculo racional não é eficaz, em absoluto, no que diz respeito à distribuição de recursos, para tal é necessário recorrer à correcção através de valores sociais, uma vez que a aptidão geradora dos agentes económicos manifesta-se quanto aos factores variáveis de produção e, consecutivamente, aos rendimentos por estes gerados. É neste âmbito que se deve analisar as falhas de mercado, da desigualdade de oportunidades (que é elucidada na Teoria da Justiça), da tentativa de se criar nova riqueza e a regulação económica. Todas as disparidades existentes são manifestações de injustiça, mas acima de tudo manifestação da fragmentação social existente que se evidenciará negativamente na eficiência e racionalidade económica. (Guilherme d’Oliveira Martins in Desigualdade e redistribuição da riqueza).
Se houvesse igualdade na distribuição de rendimentos numa sociedade, segundo Max Lorenz, haveria uma linha recta, isto é, a cada percentagem da população corresponderia a mesma percentagem em rendimento (Curva de Lorenz). A representação gráfica condiz ao conjunto de pontos que têm por coordenadas: o X corresponde à percentagem acumulada de pessoas que auferem um determinado rendimento; e o Y equivale à percentagem acumulada do rendimento. Corrado Gini, a partir desta representação formulou um Coeficiente: o Índice de desigualdade (designado como Coeficiente de Gini), elaborado a partir da confrontação entre a situação existente de desigualdade e a recta relativa à situação de equilíbrio igualitário.
      A luta à desigualdade e à pobreza depende dos objectivos políticos e do contexto social, entrando em choque com o Igualitarismo. De acordo com critérios de justiça e de coesão social, existe um patamar de pobreza em que se pretende que não se alcance ou se permaneça lá. Para tal, a economia necessita de encontrar um equilíbrio entre a coesão social e o dinamismo em que a igualdade não lese a liberdade, para que a equidade não prejudique a eficiência e para que a riqueza não se assente na injustiça. Como vimos anteriormente, justiça, utilidade e liberdade devem estar presentes nas decisões públicas relativamente à economia. A justiça, na vida económica, pode ser analisada na óptica dos fins ou dos resultados e, também, através do critério dos meios e do procedimento. No panorama de Rawls, ou seja, uma posição baseada na “justiça como equidade”, terá de haver uma maior concentração na aquisição de maior coesão social possível, pelo meio da diminuição das máximas perdas ao facto de uma pessoa pertencer ao grupo mais desfavorecido da sociedade, isto é, salvaguardar a sociedade contra os resultados perniciosos que prejudicam o grupo dos mais pobres. Tomam-se, assim, medidas para extirpar as formas mais extremas de riqueza sem, contudo, pôr em risco a liberdade económica. A justiça como equidade realiza-se desde que quem está numa posição mais desfavorecida não saia prejudicado ou que, então, tenha novos benefícios. No que diz respeito ao critério dos meios e do procedimento, a justiça seria assegurada de acordo com a forma como as pessoas enriquecem, isto é, se é justa. Nesta perspectiva, a igualdade deixa de residir nos resultados para estar nas oportunidades.
     Como travar a pobreza? Pela tributação progressiva ou proporcional dos rendimentos, isto é, distingue-se os que auferem rendimentos maiores dos que auferem rendimentos menores; pela instituição de medidas de combate directo à pobreza, ou seja, com a atribuição de subsídios de desemprego e incentivos à criação de empregos; e pela prestação de serviços subsidiados pelo Estado a favorecer os mais necessitados (ex: rendimento de inserção social).
   E é este último que é importante para a questão proposta. Em conformidade com Rawls, a função de redistribuição situa-se entre dois extremos: o Utilitarismo e o Liberalismo. John Rawls avoca a utilidade marginal do rendimento como decrescente, sendo claramente uma perspectiva Utilitarista, mas, da mesma forma, aproxima-se dos Liberais pois reconhece a noção de liberdade positiva, isto é, qualquer indivíduo deve ter direito a expandir as suas competências e, como tal, ser mais tarde recompensado por isso. Sob o ponto de vista Rawlsiano, a liberdade é defendida como o acesso aos bens essenciais, primários, e defende que deve existir redistribuição para que se consiga melhorar a situação dos mais necessitados mesmo que, para isso, se assista a uma quebra do bem-estar agregado. Com isto, a justiça social (ponto de vista Rawlsiano) é fomentada, mas os custos de redistribuição serão mais elevados do que somente maximizar o bem-estar conjunto (óptica Utilitarista).
    Com estes elementos é possível dizer que uma política social como o Rendimento Social de Inserção, que dá preferência aos mais carenciados, dando-lhes meios para que possam subsistir, está próximo do conceito de justiça social de John Rawls e, como tal, é suportado pela sua Teoria de Justiça como Equidade, uma vez que o segundo princípio de justiça aceita desigualdades justificadas, no entanto os direitos e liberdades devem ser igualitários e predominar, não facilitando as desigualdades, com isto a não atribuição de um rendimento social para os mais desfavorecidos seria fomentar as tais desigualdades sociais e, também, porque o Rendimento Social de Inserção é uma prestação com o objectivo de assegurar às pessoas mais carenciadas e necessitadas, e seus agregados, a satisfação das suas necessidades primárias. Com isto, realiza-se a justiça como equidade de Rawls, uma vez que quem está numa posição mais desfavorecida não sai prejudicado, antes pelo contrário tem novos benefícios. Um Estado justo deve, por conseguinte, fazer uma justa distribuição da liberdade de forma a garantir a igualdade aos indivíduos. Deve, também, dar ênfase à justa distribuição das responsabilidades baseando-se no investimento social. O Rendimento Social de Inserção, com o rendimento e o processo de inserção social, faculta oportunidades para que os indivíduos consigam, mais tarde, sobreviver por si.
    Contudo, é também importante mencionar que este tipo de ajudas e benefícios pode levar ao que muitos autores chamam de “armadilha da pobreza”, isto é, leva o mais carenciado a escapar-se ao mercado de trabalho, vivendo, assim, do subsídio. Para se impedir esta possível disposição, terá de se revezar os instrumentos apontando para a equidade, através de mecanismos de eficiência, como por exemplo o “imposto negativo”. Entende-se por imposto negativo um esquema tributário de administração de rendimento das classes mais carenciadas. Apoia-se numa isenção de pagamento que termina quando o sujeito passa a auferir um rendimento através da entrada no mercado de trabalho.

Será que o Rendimento Social de Inserção é sustentado pela Teoria da Justiça como Equidade de John Rawls? (Parte III de IV)

Rendimento de Inserção Social

   O Rendimento Social de Inserção foi instaurado pela Lei nº13/2003, de 21 de Maio e veio suprir a Rendimento Mínimo Garantido, define-se como uma dimensão de política propondo-se a garantir às famílias mais pobres um rendimento que lhes possibilite obter, por um lado, um nível mínimo de sustento e de dignidade, e por outro, condições e oportunidades básicas para a inserção social. O Rendimento Social de Inserção é uma prestação pecuniária que a Segurança Social ministra com o objectivo de garantir às pessoas e aos seus agregados familiares a satisfação das suas necessidades primárias. Esta prestação compreende um Programa de Inserção constituído por um conjunto de acções que pretendem transformar as pessoas mais autónomas e capazes de assumir as suas próprias despesas.
   Portanto, quando alguém se candidata a receber o Rendimento Social de Inserção sabe que vai participar num programa de inserção que permitirá procurar soluções para se sustentar a si próprio (por exemplo: emprego ou formação profissional).

  Pode-se dizer que este programa tem dois pilares básicos, um de consolidação que é a prestação de um regime de solidariedade, e outro de inovação e qualificação que é abrangido pelo programa de inserção. A prestação do regime de solidariedade, actualmente, abrange 107.027 famílias e conta com 287.760 beneficiários – este número estabilizou a partir do ano 2004 -, quanto ao programa de inserção tem, presentemente, 52.099 acordos de inserção, isto é, 49% dos beneficiários. (dados Comissão Nacional do Rendimento Social de Inserção - 27 de Março de 2007).
   
Esta inserção tem três dimensões: a intervenção prioritária que tem como alvos as crianças e os jovens; a intervenção de mediação no âmbito da integração profissional e a intervenção participada que emprega a qualificação das famílias.

    A intervenção prioritária, junto das famílias com menores, garante o acesso a respostas sociais, a cuidados de saúde, a percursos escolares de qualidade e à manutenção em contexto da vida familiar. Os beneficiários do Rendimento Social de Inserção caracterizam-se por ser uma população preponderantemente jovem, uma vez que 42% dos favorecidos têm idade inferior a 18 anos, evidenciando, assim, o peso das crianças e dos jovens nos agregados familiares.
  A intervenção de mediação no processo de integração profissional dos beneficiários garante o desenvolvimento das aptidões e capacidades pessoais, sociais e relacionais fundamentais e prévias para a inclusão social. Garante, também, a definição de um Plano Pessoal de Emprego e um processo de acompanhamento constante dos beneficiários.
  A intervenção participada no acompanhamento das famílias garante a construção de percursos de inclusão com o envolvimento da sociedade civil. Garante um acompanhamento metódico e individualizado até às famílias estarem preparadas para o exercício das aptidões indispensáveis à autonomização. E, por fim, garante a participação e a responsabilização dos actores sociais locais importantes.

  Foi desenvolvido um modelo que analisa os distintos contextos comunitários em famílias que estão inseridas no programa, tendo em conta a análise casuística em função da realidade de cada território e uma maior exactidão e apropriação da intervenção dos recursos. Esta estratégia irá permitir, segundos dados de 2007 da Comissão Nacional de Rendimento Social de Inserção, que até 2008, 90% das famílias que beneficiam do Rendimento de Inserção Social tenham um programa de inserção decidido. Permitirá, também assegurar, que em 2007, 30.000 famílias de um acompanhamento assíduo e mais próximo. E quem em 2009, 80.000 beneficiários estejam abrangidos em soluções de inclusão profissional moldadas ao seu perfil.

Será que o Rendimento Social de Inserção é sustentado pela Teoria da Justiça como Equidade de John Rawls? (Parte II de IV)

Justiça Distributiva de Rawls

     O problema fundamental, na teoria Rawlsiana, compreende o consenso de uma sociedade plural, isto é, a forma como o sistema político e económico, que é visto como a estrutura básica da sociedade, deve ser organizado e, por consequência, a coadjuvação social que lhe é inerente. Os pontos fulcrais são, portanto, a protecção dos indivíduos e dos seus direitos, a criação de instituições económicas e políticas que protejam a “justiça social”.
     O sistema político e económico é visto, por Rawls, como a causa de toda a injustiça social. Contudo, se for bem organizado pode garantir a justiça e proporcionar ao indivíduo um desenvolvimento completo.

    Conquanto, existe uma problemática no que diz respeito à organização do sistema político e económico, bem como tudo o que lhe é contíguo, sendo: como conciliar a liberdade e igualdade para que se atinjam os objectivos propostos, e como essa estrutura deve ser constituída para responder às exigências da liberdade e da igualdade. Rawls certifica que todo o desenvolvimento do pensamento moderno mostrou que não há acordo no que diz respeito à organização das instituições básicas, numa democracia liberal, para que estas considerem a liberdade e igualdade dos cidadãos como pessoas livres. Segundo Rawls “o certo é que a liberdade e igualdade das pessoas morais devem ter forma pública”, ou seja, que o sistema político e económico seja definido e regulado por uma percepção pública de justiça social para que seja garantido o respeito e o desenvolvimento pleno dos seres humanos bem como haja cooperação social que reverta numa vantagem mútua.

    Na sociedade, pode-se apreender três particularidades capitais, sendo elas: a autonomia de cada indivíduo, ou seja, as liberdades individuais; o pluralismo; e a ideia de justificação pública, isto é, as políticas públicas – bem como a organização política e económica – só são autênticas se forem edificadas, ou justificadas, por, ou para todos os cidadãos para que possam entendê-las e aceitá-las.
     Para Rawls, “as instituições devem organizar a cooperação social de um modo que favoreça os esforços construtivos”. A cooperação social contende, assim, a noção de cidadania igual, de tal modo que o sistema político e económico deve ser uma estrutura colectiva, de cidadãos livres e iguais, bem como deve permitir, com base nos bens sociais primários, o desenvolvimento de todos.
    Rawls afirma, ainda, que os dois princípios da justiça “avaliam a estrutura básica da sociedade segundo a maneira pela qual as suas instituições protegem e distribuem alguns dos bens primários - por exemplo, as liberdades básicas – e regem a produção e a distribuição de outros bens primordiais, como por exemplo, a renda e riqueza”. Uma sociedade bem ordenada é, desta forma, organizada por uma concepção pública de justiça com carácter de estabilidade, isto é, quando as instituições são justas, os sujeitos pertencentes a essas instituições, obtêm o sentido de justiça e o propósito moral de as manter justas. Rawls defende que alguns princípios devem ser aplicados, de forma equitativa, para regular a contribuição de cada pessoa para o bem comum, tendo como contrapartida do Estado a oferta de bens materiais e imateriais necessárias à dignidade dos cidadãos em relação à economia e política social. A liberdade passa, assim, a ser um bem intransmissível numa sociedade que se quer justa. Então distribuir igualitariamente a liberdade é o que torna uma sociedade democrática digna, na qual o modelo de justiça é a equidade. Por exemplo, se um indivíduo escolhe formar-se numa profissão mais complexa, sabe à partida quais serão os seus encargos e obrigações adjacentes à mesma. Saberá, também, quais serão os seus encargos e benefícios ao escolher essa determinada área de trabalho, não escolhendo outra área qualquer. Aqui, o princípio de liberdade garante, a este indivíduo, uma escolha livre do seu rendimento. É com base nesse rendimento que ele irá ter acesso aos bens. O Estado não proíbe casos de modelos de vida acima da média embora não é obrigado a atendê-los. No modelo Rawlsiano, gastos mais sofisticados por parte dos consumidores requerem um acréscimo nos impostos causando, assim, um acréscimo na poupança colectiva.

     O princípio da equidade deve dar preferência a uma melhor redistribuição do rendimento, sem no entanto deixar de valorizar os indivíduos que estão numa escala social superior, que com os seus proveitos irão dissimuladamente beneficiar os que estão numa escola social menor. Rawls não propõe uma justiça igualitária pura. O segundo princípio da justiça fala de desigualdades justificadas, contudo a igualdade dos direitos e liberdades deve prevalecer e nenhuma desigualdade deve ser fundamentada. O Estado tem garantias mínimas de liberdades asseguradas que favorecem uma cultura propícia para um Estado justo. Então, a desigualdade, em Rawls, deve acontecer num teor de igualdade equitativa de oportunidades.

      Rawls tenta corrigir o conceito liberal de igualdade evitando, para tal, as injustiças do igualitarismo devido à inclusão da equidade. Ele critica o liberalismo clássico pois este só considera as igualdades sociais (que são contíguas ao meio social). No entanto, na perspectiva Rawlsiana, não basta apenas ter nascido num meio privilegiado, pois isso não garantirá um melhor lugar na sociedade. Isto porque na sociedade bem ordenada de Rawls, não se tem vantagem em ser-se rico ou ocultar impostos, uma vez que isso é uma barreira para a cooperação social o que levaria à inexistência da sociedade, sendo esta não sustentável, pois a cooperação determina o equilíbrio das relações sociais. O Estado só tem condições para conceder os bens primários (saúde, direito à propriedade, educação, cultura, etc.) a todos, indiscriminadamente, se houver uma prestação justa por parte dos que mais podem. Rawls defende a protecção da propriedade privada dos meios de produção e de um mercado competitivo, cedendo ao cidadão a liberdade para que possa escolher a posição económica da melhor forma. Contudo, não é justificado a cobiça de enriquecimento sem contrapartida por ter alcançado o lugar onde chegou, isto é, devido à poupança colectiva que garante aos cidadãos melhor posicionados, o acesso aos bens que possibilitam a sua qualificação. Não se pense que enriquecer não é permitido, apenas se pagará mais impostos, comparativamente à acumulação das suas riquezas, consoante a progressão económica. Garante-se, assim, a oferta pública de trabalho para todos, contudo uns irão ter mais êxito que outros com as suas actividades, uma vez que as suas aptidões irão criar benefícios. Estas compensações não visam satisfazer o individual mas sim a sociedade como um todo.

  Para Rawls o Estado ideal enfatiza a justa distribuição das responsabilidades, com base no investimento social e do salário de cada indivíduo. A equidade desenrola, assim, um princípio que disciplina a distribuição justa da liberdade para que possa garantir a igualdade a todos os intervenientes
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Será que o Rendimento Social de Inserção é sustentado pela Teoria da Justiça como Equidade de John Rawls? (Parte I de IV)

Teoria da Justiça de John Rawls


   A Teoria da Justiça de John Rawls é considerada como a obra mais importante da filosofia política do século XX. Esta obra alvitra uma senda para a descoberta e fundamentação racional dos princípios que deveriam governar a “sociedade justa”. Ela é argumentada com base, e na junção, entre o Utilitarismo e os contratos sociais criticando a primeira corrente sem, todavia, afastar o seu teor metodológico. Ela pode ser dividida em duas partes: a primeira, que trata a “Justiça como Equidade” e a “Justiça Distributiva”; a segunda parte situa-se sobre o sentido de justiça.
    O objectivo de Rawls era criar uma teoria de justiça que se apresente como uma alternativa ao Utilitarismo uma vez que, na Teoria Utilitarista, o bem define-se de maneira independente do justo – é caracterizada como teoria teleológica, isto é, analisa se os objectivos estão a ser cumpridos ou não – e no Contratualismo de Rawls, o objectivo é estabelecer a prioridade do justo em relação ao bem – teoria identificada como deontológica, ou seja, as regras são analisadas no momento da decisão e não no fim.
  A ênfase que Rawls dá às questões de justiça, indica-nos como o contratualismo, do seu ponto de vista, traz novas questões para o contratualismo tradicional. Rawls faz uma antítese entre “legitimidade” e questões de “justiça”, isto é, Rawls afirma que o modo como se escolhe os governantes num regime democrático pode “atender a todos os critérios e decisões de legitimação típicos da democracia” (Cícero Araújo in Legitimidade, Justiça e Democracia: O Novo Contratualismo de Rawls). Contudo, as decisões dos governos democráticos podem não ser justas. Portanto, é necessário focar que ser “legítimo” e ser “justo” não é idêntico. Pode-se dar como exemplo a governação legítima de um rei e de uma rainha que podem governar efectiva e justamente, como também podem governar no sentido contrário, governando, assim, de uma forma legítima mas não justa, ou seja a sua legitimidade indica-nos a forma como chegaram ao cargo. Isto aplica-se de igual forma num regime democrático, pois ele pode ser legítimo e contudo pode não ser muito justo e, por consequência, as suas políticas e leis também. Rawls não nega a forte ligação entre a justiça e o processo democrático. Está antes, a prevenir que estes dois termos não sejam análogos, isto é, “embora a ideia da legitimidade esteja claramente relacionada com a justiça, deve-se observar que o seu papel especial nas instituições democráticas (...) é autorizar um procedimento apropriado para tomar decisões quando os conflitos e desacordos na vida política tornam a unanimidade impossível ou raramente esperada.” (John Rawls in Liberalismo Político). No entanto, pode-se assistir ao conspurcar da legitimidade do processo democrático devido à injustiça das decisões. A legitimidade dos actos legislativos depende da justiça da constituição (uma vez que o processo democrático fundamenta-se de uma forma constitucional), e quanto maior é o desvio da justiça maior será a injustiça dos resultados. Então para as leis serem legítimas, estas não podem ser demasiado injustas. Cicero Araújo afirma que a justiça esboça os limites da legitimidade democrática (Legitimidade, Justiça e Democracia: O Novo Contratualismo De Rawls. Lua Nova nº. 57. 200).

    O papel da justiça é especificar os direitos e deveres básicos dos cidadãos e determinar as partes distributivas apropriadas, sendo a justiça a virtude mais importante das instituições sociais.
    É aqui que entra o que John Rawls chama “a prioridade do justo e as ideias do bem”, e que é fundamental no seu “liberalismo político” e na política como equidade. Rawls afirma que é incorrecto pensar que uma “concepção política liberal da justiça não pode utilizar quaisquer ideias do bem, exceptuando as que são puramente instrumentais”, uma vez que o justo e o bem são complementares, ou seja, “nenhuma concepção da justiça pode assentar somente no justo ou no bem; pelo contrário, deve combinar ambos de um modo preciso” (John Rawls in Liberalismo Político).
    Para Rawls, uma característica fundamental da concepção contratualista da justiça é que a construção primária da sociedade constitui o principal objecto da justiça. Entende-se por estrutura primária, ou básica, a disposição num único sistema das principais instituições sociais e a forma como elas distribuem direitos e deveres capitais e ajustam a divisão das vantagens que resultam da cooperação social. Então, o objectivo primário da justiça é a forma pela qual as instituições sociais, constituições e acordos, distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens vindas da cooperação social.

    Se para Hobbes, Locke ou mesmo para Rousseau o contrato social “era um estado de natureza, uma lei natural que servia para a criação da sociedade civil e do Estado para melhorar e/ou assegurar a qualidade de vida". Já para Rawls, um contrato social é um acordo arbitrário, não real que é feito entre todos os indivíduos e não apenas alguns, é realizado igualmente entre eles como cidadãos e não como indivíduos que ocupam uma certa hierarquia na sociedade. Com a influência Kantiana na “justiça como equidade”, as partes são vistas como pessoas morais livres e iguais, e o conteúdo do acordo pertence aos princípios primários seleccionados para regular a estrutura básica. Ou seja, o contratualismo Rawlsiano é o momento no qual os indivíduos “não sabem nada sobre o seu futuro", isto é, ninguém conhece condições particulares ou o seu lugar na sociedade. Apenas conhecem as bases elementares da organização social. A isto Rawls designou por “véu da ignorância”. As pessoas, sob o “véu da ignorância”, ou seja, na posição original, escolhem os princípios da justiça como resultado de uma unanimidade nessa posição. Como as pessoas são desinteressadas e racionais, não podem escolher um princípio utilitário porque não garante vantagens e/ou direitos para uma minoria em benefício de uma maioria.
   A posição original seria suficientemente capaz de simular as condições ideais de igualdade para escolher os princípios directores da sociedade. Esta igualdade é o pilar de toda a sua teoria. O que deveria ser escolhido no momento do pacto inicial não seria nada mais nada menos que a estrutura fundamental da sociedade, isto é, os seus alicerces. Então, o contrato original é fundado nos princípios da igualdade e da diferença que são basilares no seu sistema de justiça, responsáveis e equacionam toda a estrutura das instituições justas. O bom equilíbrio destes princípios traduz-se no bom equilíbrio das instituições sociais.
    O princípio da igualdade regula as liberdades básicas que devem ser iguais para todos os pactuantes (liberdade política, liberdade de expressão, de reunião e de consciência), e o princípio da diferença corrige as desigualdades da aplicação do princípio da igualdade.

 Rawls afirma que, sendo impossível erradicar a desigualdade entre as pessoas, o sistema institucional deveria prever mecanismos suficientes para o equilíbrio das deficiências e desigualdades, de modo a que estes se voltassem em benefício da própria sociedade.
  Rawls reconhece que, através do “véu da ignorância”, os escassos princípios são “certos” por serem “equitativos”. “Todos têm os seus planos de vida, o «bom» é o necessário para se cumprir o plano, assumindo circunstâncias favoráveis como por exemplo a oportunidade".
  Para Rawls, a justiça é o cumprimento de dois princípios gerais. No primeiro, cada pessoa tem o direito igual ao maior número e mais alargadas liberdades básicas compatíveis com liberdades dos outros. No segundo, as desigualdades sociais e económicas são possíveis quando resultam na vantagem de todos e estão acessíveis a todos.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Karl Marx: Breve Resenha ( Parte II de II)

O Manifesto Comunista

No Manifesto, Marx e Engels descreveram um processo histórico pelo qual o mercado perdia todas as identidades historicamente desenvolvidas, incluindo as hereditariedades do estatuto, nação e religião. Mas o resultado desta libertação era a redução da maioria das pessoas ao estatuto da comunidade, a sua liberdade legal, que era uma cobertura para o seu real destino como objecto de forças de mercado. A liberdade debaixo destes meios de circunstâncias significava uma nova escravidão na qual o indivíduo tem menos controlo sobre o seu tempo e o seu corpo. Para Marx, esta decomposição de identidades tradicionais pelo mercado era um desenvolvimento positivo, pois rasgou os véus da ilusão representados pela convicção religiosa e a força do costume, deixando os homens e mulheres ver as suas reais identidades, como membros da classe dos trabalhadores oprimidos, ou seja, o “proletariado”. A riqueza e tecnologia criada pelo capitalismo tornaram possível a verdadeira libertação da humanidade cuja liberdade seria dos constrangimentos impostos pela natureza e pela escassez. Marx insistiu que o capitalismo foi o maior processo destabilizador pela sua rápida transformação, no modo pela qual as coisas foram feitas e consumidas fazendo com que as formas tradicionais de pensar fossem irrelevantes. Então, aqueles que possuíam os meios de produção – capitalistas ou burguesia – eram o problema; e aqueles que não tinham nada a ganhar com o capitalismo – o “proletariado” – eram a solução. A solução consistia em fazer com que os trabalhadores vissem que não tinham nada a ganhar com o Capitalismo. O Comunismo viria quando as elites governantes existentes perdessem a legitimação que vinha da tradição, religião e identidade nacional. Então, eliminando o capitalismo, eles estariam a elevar a humanidade a um nível mais alto de organização social, os seus interesses eram os da humanidade. O Egoísmo só era legítimo para o proletariado como classe, porque o seu interesse era o interesse geral.

O resultado

A revolução não aconteceu nas instituições capitalistas bem estabelecidas, como o Marx tinha imaginado, mas sim nos efeitos sociais e demográficos aquando da primeira implementação do Capitalismo. Mesmo aqui a revolução só teve sucesso quando a estrutura política estava debilitada pela guerra externa ou quando já havia uma estrutura controlada por revolucionários capazes de usar as oportunidades criadas. A pressão para as medidas do governo para melhorar as condições de vida do proletariado veio de um senso de obrigação moral das classes mais ricas e educadas e não daquelas classes inspiradas pela consciência social através de religião. Marx encorajou o crescimento dos sindicatos que serviam para preparar o proletariado para a subversão do capitalismo. Contudo, falhou quando considerou que os sindicatos iriam melhorar as condições de trabalho e o padrão de vida.

Karl Marx: Breve Resenha ( Parte I de II)

Karl Heinrich Marx nasceu em Trier, na Alemanha, a 5 de Maio de 1818 e morreu, em Londres, a 14 de Março de 1883. Foi um intelectual alemão, economista, sendo considerado um dos fundadores da Sociologia. Também é possível encontrar a influência de Marx em várias outras áreas, tais como Filosofia e História. Participou intelectualmente na revolução do movimento operário.
É com Karl Marx e Frederich Engels que o termo capitalismo ganha popularidade. Adam Smith utilizava este termo como “Sociedade Comercial” e Hegel como “Sociedade Civil”. Contudo, muito dos pensadores que estavam mais inclinados para estas sociedades criticavam o uso do termo “capitalismo” como sendo fundamentalmente depreciativo. O Marxismo, actualmente, é bastante atractivo para a análise e crítica ao mercado pois, desde sempre, o Marxismo exerceu um duplo apelo. O primeiro era, fundamentalmente, em condolência por um “proletariado” industrial empobrecido, forçado à privação material em que para Marx, essa pobreza, era um resultado inegável do mercado, o segundo apelo focava-se sobre as críticas culturais do capitalismo. Marx tinha aversão à competição do mercado formulando, assim, pensamentos que estavam em conflito com as suposições fundamentais do Iluminismo sobre as consequências positivas e não intencionais da actividade humana e da legitimidade do egoísmo. Marx reformou a estigmatização tradicional de fazer dinheiro e renovou a antiga desconfiança contra aqueles que usavam o dinheiro para ganhar mais dinheiro, isto é, Marx encarava o Capitalismo como “exploração” afirmando assim que o dinheiro era improdutivo e que os que não trabalhavam só lhes interessava o lucro. Daí a ideia de Capitalismo como “alienação”, onde Marx expressava que a satisfação individual na sociedade moderna era sacrificada por forças que ninguém controlava.


Os Problemas

Para Marx, a cultura ideal reflectia-se numa nova concepção de auto-valor, na qual o respeito derivava menos da posição social herdada e da religião mas no cultivo de uma individualidade multifacetada, expressa na filosofia, literatura, teatro, música e nas artes visuais. Marx tornou-se jornalista e editor de um jornal político que defendia os interesses da classe média e empresários; atacou a política reaccionária que apontava para uma recristianização e para um Estado paternalista. A sua perspectiva era claramente Hegeliana, pois afirmava que o Estado devia dar liberdades jurídicas, morais e políticas para cada cidadão e este deveria obedecer às leis do Estado.


A Questão Social

Em 1820, as migrações aumentaram e Hegel apontava a pobreza como o problema que se vivia. A pobreza tornou-se, assim, no foco da preocupação pública, originando grandes perturbações que poderiam originar uma revolução. Otto Von Bismark afirmou que “as fábricas enriqueciam os indivíduos mas, estas, criavam um volume de proletários mal nutridos que em virtude da insegurança da sua existência tornavam-se uma ameaça para o Estado”. Com o aumento da pobreza e com o lento crescimento da indústria, a agricultura tinha-se tornado muito produtiva. Assim, e embora a pobreza estivesse a crescer, o total da soma da riqueza crescia também.


De “Hegelismo” para o Comunismo

Hegel tinha reivindicado que o Estado moderno poderia satisfazer o desejo do indivíduo para procurar interesses particulares e ainda lhe proporcionar um senso de participação no Estado através de instituições representativas. Contudo, para Hegel era só a administração civil, "a propriedade universal", servia o bem comum. No entanto, Marx viu que os proprietários das terras, que dominavam a assembleia representativa, queriam dominar injustamente a lei que apoiava as reivindicações dos pobres. Os proprietários não pensavam nos termos universais mas apenas no próprio proveito. Marx descobriu, então, que a burocracia do Estado não funcionava em nome do interesse universal, uma vez que o Governo protegia os seus próprios interesses (exemplo: uso da censura) e usava o seu poder para promover interesses económicos aos grupos que estavam nele representados esquecendo o bem-estar (que não era representado).


A crítica de Engel à economia política

A essência da crítica de Engel à economia política era simples: O capitalismo foi construído com base na avareza e no egoísmo. Se a principal manobra dos pensadores Iluministas como Smith era chamar à atenção do potencial benefício social que previamente tinha sido estigmatizada como “ganância e orgulho”; o contra argumento por parte dos críticos socialistas como Engels era voltar a estigmatizar o interesse próprio como ganância. Contudo, Engels admitiu que Smith poderia estar certo acerca do aspecto humanitário do comércio que poderia provocar relações mais suaves entre os indivíduos; poderia diminuir a guerra entre as nações. Para Engels, o comércio estava condenado pela impureza da motivação e o problema do Capitalismo era a sua base na competição que isolava as pessoas e colocava-as em guerra com o vizinho, as classes médias desapareceriam até que o mundo ficaria dividido entre "milionários e pobres”. Então, Engels afirma que “a comunidade terá que calcular o que pode produzir com os meios à sua disposição”; e conforme a relação deste poder produtivo para os consumidores determinar-se-á se deve aumentar ou baixar a produção.
Marx combinou a sua crítica moral ao capitalismo com o tradicional anti-judaísmo, não para sustentar um anti-semitismo mas para denegrir a moral da sociedade burguesa. Para os conservadores, a ligação entre o Estado e o Cristianismo era indissolúvel: o estado ajudava a preservar a fé e a religião ajudava a legitimar o Governo. O ponto de partida teórico das aproximações liberais para o estatuto dos Judeus era a premissa para que o Estado Moderno deveria ser neutro nas questões religiosas, como dizia Hegel em "Philoophy of Right", o Estado moderno encarna uma compreensão de liberdade individual que é uma protuberância do Protestantismo histórico.
O argumento de Marx era bastante claro: todas as avaliações morais negativas que os cristãos tradicionais e os pós-cristãos modernos como Voltaire e Bauer aplicavam aos judeus deveriam ser aplicadas na realidade à sociedade capitalista. Marx afirmava que o sistema da indústria e troca de propriedade e exploração das pessoas rompia com a sociedade actual.
No confronto com capital e trabalho, Marx ressuscitou a crítica tradicional da “usura” e uniu-a à crítica Romântica da divisão do trabalho – efeito que chamou de “trabalho alienado”. Para Marx, o trabalho era humano quando se cingia a um acto de auto-expressão. O Trabalho "não só se tornaria um dos meios da vida mas o desejo principal da vida" e o crescimento e organização eficiente dos meios de produção tornariam possível "o desenvolvimento geral do indivíduo”.