sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Será que o Rendimento Social de Inserção é sustentado pela Teoria da Justiça como Equidade de John Rawls? (Parte IV de IV)

Ponto de vista rawlsiano sobre o Rendimento Social de Inserção e sua aplicação

Quando se tenta responder à questão “para quem produzir” há a necessidade de gerar políticas públicas que tenham em vista a distribuição dos recursos e, também, a administração da justiça e equidade. O cálculo racional não é eficaz, em absoluto, no que diz respeito à distribuição de recursos, para tal é necessário recorrer à correcção através de valores sociais, uma vez que a aptidão geradora dos agentes económicos manifesta-se quanto aos factores variáveis de produção e, consecutivamente, aos rendimentos por estes gerados. É neste âmbito que se deve analisar as falhas de mercado, da desigualdade de oportunidades (que é elucidada na Teoria da Justiça), da tentativa de se criar nova riqueza e a regulação económica. Todas as disparidades existentes são manifestações de injustiça, mas acima de tudo manifestação da fragmentação social existente que se evidenciará negativamente na eficiência e racionalidade económica. (Guilherme d’Oliveira Martins in Desigualdade e redistribuição da riqueza).
Se houvesse igualdade na distribuição de rendimentos numa sociedade, segundo Max Lorenz, haveria uma linha recta, isto é, a cada percentagem da população corresponderia a mesma percentagem em rendimento (Curva de Lorenz). A representação gráfica condiz ao conjunto de pontos que têm por coordenadas: o X corresponde à percentagem acumulada de pessoas que auferem um determinado rendimento; e o Y equivale à percentagem acumulada do rendimento. Corrado Gini, a partir desta representação formulou um Coeficiente: o Índice de desigualdade (designado como Coeficiente de Gini), elaborado a partir da confrontação entre a situação existente de desigualdade e a recta relativa à situação de equilíbrio igualitário.
      A luta à desigualdade e à pobreza depende dos objectivos políticos e do contexto social, entrando em choque com o Igualitarismo. De acordo com critérios de justiça e de coesão social, existe um patamar de pobreza em que se pretende que não se alcance ou se permaneça lá. Para tal, a economia necessita de encontrar um equilíbrio entre a coesão social e o dinamismo em que a igualdade não lese a liberdade, para que a equidade não prejudique a eficiência e para que a riqueza não se assente na injustiça. Como vimos anteriormente, justiça, utilidade e liberdade devem estar presentes nas decisões públicas relativamente à economia. A justiça, na vida económica, pode ser analisada na óptica dos fins ou dos resultados e, também, através do critério dos meios e do procedimento. No panorama de Rawls, ou seja, uma posição baseada na “justiça como equidade”, terá de haver uma maior concentração na aquisição de maior coesão social possível, pelo meio da diminuição das máximas perdas ao facto de uma pessoa pertencer ao grupo mais desfavorecido da sociedade, isto é, salvaguardar a sociedade contra os resultados perniciosos que prejudicam o grupo dos mais pobres. Tomam-se, assim, medidas para extirpar as formas mais extremas de riqueza sem, contudo, pôr em risco a liberdade económica. A justiça como equidade realiza-se desde que quem está numa posição mais desfavorecida não saia prejudicado ou que, então, tenha novos benefícios. No que diz respeito ao critério dos meios e do procedimento, a justiça seria assegurada de acordo com a forma como as pessoas enriquecem, isto é, se é justa. Nesta perspectiva, a igualdade deixa de residir nos resultados para estar nas oportunidades.
     Como travar a pobreza? Pela tributação progressiva ou proporcional dos rendimentos, isto é, distingue-se os que auferem rendimentos maiores dos que auferem rendimentos menores; pela instituição de medidas de combate directo à pobreza, ou seja, com a atribuição de subsídios de desemprego e incentivos à criação de empregos; e pela prestação de serviços subsidiados pelo Estado a favorecer os mais necessitados (ex: rendimento de inserção social).
   E é este último que é importante para a questão proposta. Em conformidade com Rawls, a função de redistribuição situa-se entre dois extremos: o Utilitarismo e o Liberalismo. John Rawls avoca a utilidade marginal do rendimento como decrescente, sendo claramente uma perspectiva Utilitarista, mas, da mesma forma, aproxima-se dos Liberais pois reconhece a noção de liberdade positiva, isto é, qualquer indivíduo deve ter direito a expandir as suas competências e, como tal, ser mais tarde recompensado por isso. Sob o ponto de vista Rawlsiano, a liberdade é defendida como o acesso aos bens essenciais, primários, e defende que deve existir redistribuição para que se consiga melhorar a situação dos mais necessitados mesmo que, para isso, se assista a uma quebra do bem-estar agregado. Com isto, a justiça social (ponto de vista Rawlsiano) é fomentada, mas os custos de redistribuição serão mais elevados do que somente maximizar o bem-estar conjunto (óptica Utilitarista).
    Com estes elementos é possível dizer que uma política social como o Rendimento Social de Inserção, que dá preferência aos mais carenciados, dando-lhes meios para que possam subsistir, está próximo do conceito de justiça social de John Rawls e, como tal, é suportado pela sua Teoria de Justiça como Equidade, uma vez que o segundo princípio de justiça aceita desigualdades justificadas, no entanto os direitos e liberdades devem ser igualitários e predominar, não facilitando as desigualdades, com isto a não atribuição de um rendimento social para os mais desfavorecidos seria fomentar as tais desigualdades sociais e, também, porque o Rendimento Social de Inserção é uma prestação com o objectivo de assegurar às pessoas mais carenciadas e necessitadas, e seus agregados, a satisfação das suas necessidades primárias. Com isto, realiza-se a justiça como equidade de Rawls, uma vez que quem está numa posição mais desfavorecida não sai prejudicado, antes pelo contrário tem novos benefícios. Um Estado justo deve, por conseguinte, fazer uma justa distribuição da liberdade de forma a garantir a igualdade aos indivíduos. Deve, também, dar ênfase à justa distribuição das responsabilidades baseando-se no investimento social. O Rendimento Social de Inserção, com o rendimento e o processo de inserção social, faculta oportunidades para que os indivíduos consigam, mais tarde, sobreviver por si.
    Contudo, é também importante mencionar que este tipo de ajudas e benefícios pode levar ao que muitos autores chamam de “armadilha da pobreza”, isto é, leva o mais carenciado a escapar-se ao mercado de trabalho, vivendo, assim, do subsídio. Para se impedir esta possível disposição, terá de se revezar os instrumentos apontando para a equidade, através de mecanismos de eficiência, como por exemplo o “imposto negativo”. Entende-se por imposto negativo um esquema tributário de administração de rendimento das classes mais carenciadas. Apoia-se numa isenção de pagamento que termina quando o sujeito passa a auferir um rendimento através da entrada no mercado de trabalho.

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