sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Será que o Rendimento Social de Inserção é sustentado pela Teoria da Justiça como Equidade de John Rawls? (Parte I de IV)

Teoria da Justiça de John Rawls


   A Teoria da Justiça de John Rawls é considerada como a obra mais importante da filosofia política do século XX. Esta obra alvitra uma senda para a descoberta e fundamentação racional dos princípios que deveriam governar a “sociedade justa”. Ela é argumentada com base, e na junção, entre o Utilitarismo e os contratos sociais criticando a primeira corrente sem, todavia, afastar o seu teor metodológico. Ela pode ser dividida em duas partes: a primeira, que trata a “Justiça como Equidade” e a “Justiça Distributiva”; a segunda parte situa-se sobre o sentido de justiça.
    O objectivo de Rawls era criar uma teoria de justiça que se apresente como uma alternativa ao Utilitarismo uma vez que, na Teoria Utilitarista, o bem define-se de maneira independente do justo – é caracterizada como teoria teleológica, isto é, analisa se os objectivos estão a ser cumpridos ou não – e no Contratualismo de Rawls, o objectivo é estabelecer a prioridade do justo em relação ao bem – teoria identificada como deontológica, ou seja, as regras são analisadas no momento da decisão e não no fim.
  A ênfase que Rawls dá às questões de justiça, indica-nos como o contratualismo, do seu ponto de vista, traz novas questões para o contratualismo tradicional. Rawls faz uma antítese entre “legitimidade” e questões de “justiça”, isto é, Rawls afirma que o modo como se escolhe os governantes num regime democrático pode “atender a todos os critérios e decisões de legitimação típicos da democracia” (Cícero Araújo in Legitimidade, Justiça e Democracia: O Novo Contratualismo de Rawls). Contudo, as decisões dos governos democráticos podem não ser justas. Portanto, é necessário focar que ser “legítimo” e ser “justo” não é idêntico. Pode-se dar como exemplo a governação legítima de um rei e de uma rainha que podem governar efectiva e justamente, como também podem governar no sentido contrário, governando, assim, de uma forma legítima mas não justa, ou seja a sua legitimidade indica-nos a forma como chegaram ao cargo. Isto aplica-se de igual forma num regime democrático, pois ele pode ser legítimo e contudo pode não ser muito justo e, por consequência, as suas políticas e leis também. Rawls não nega a forte ligação entre a justiça e o processo democrático. Está antes, a prevenir que estes dois termos não sejam análogos, isto é, “embora a ideia da legitimidade esteja claramente relacionada com a justiça, deve-se observar que o seu papel especial nas instituições democráticas (...) é autorizar um procedimento apropriado para tomar decisões quando os conflitos e desacordos na vida política tornam a unanimidade impossível ou raramente esperada.” (John Rawls in Liberalismo Político). No entanto, pode-se assistir ao conspurcar da legitimidade do processo democrático devido à injustiça das decisões. A legitimidade dos actos legislativos depende da justiça da constituição (uma vez que o processo democrático fundamenta-se de uma forma constitucional), e quanto maior é o desvio da justiça maior será a injustiça dos resultados. Então para as leis serem legítimas, estas não podem ser demasiado injustas. Cicero Araújo afirma que a justiça esboça os limites da legitimidade democrática (Legitimidade, Justiça e Democracia: O Novo Contratualismo De Rawls. Lua Nova nº. 57. 200).

    O papel da justiça é especificar os direitos e deveres básicos dos cidadãos e determinar as partes distributivas apropriadas, sendo a justiça a virtude mais importante das instituições sociais.
    É aqui que entra o que John Rawls chama “a prioridade do justo e as ideias do bem”, e que é fundamental no seu “liberalismo político” e na política como equidade. Rawls afirma que é incorrecto pensar que uma “concepção política liberal da justiça não pode utilizar quaisquer ideias do bem, exceptuando as que são puramente instrumentais”, uma vez que o justo e o bem são complementares, ou seja, “nenhuma concepção da justiça pode assentar somente no justo ou no bem; pelo contrário, deve combinar ambos de um modo preciso” (John Rawls in Liberalismo Político).
    Para Rawls, uma característica fundamental da concepção contratualista da justiça é que a construção primária da sociedade constitui o principal objecto da justiça. Entende-se por estrutura primária, ou básica, a disposição num único sistema das principais instituições sociais e a forma como elas distribuem direitos e deveres capitais e ajustam a divisão das vantagens que resultam da cooperação social. Então, o objectivo primário da justiça é a forma pela qual as instituições sociais, constituições e acordos, distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens vindas da cooperação social.

    Se para Hobbes, Locke ou mesmo para Rousseau o contrato social “era um estado de natureza, uma lei natural que servia para a criação da sociedade civil e do Estado para melhorar e/ou assegurar a qualidade de vida". Já para Rawls, um contrato social é um acordo arbitrário, não real que é feito entre todos os indivíduos e não apenas alguns, é realizado igualmente entre eles como cidadãos e não como indivíduos que ocupam uma certa hierarquia na sociedade. Com a influência Kantiana na “justiça como equidade”, as partes são vistas como pessoas morais livres e iguais, e o conteúdo do acordo pertence aos princípios primários seleccionados para regular a estrutura básica. Ou seja, o contratualismo Rawlsiano é o momento no qual os indivíduos “não sabem nada sobre o seu futuro", isto é, ninguém conhece condições particulares ou o seu lugar na sociedade. Apenas conhecem as bases elementares da organização social. A isto Rawls designou por “véu da ignorância”. As pessoas, sob o “véu da ignorância”, ou seja, na posição original, escolhem os princípios da justiça como resultado de uma unanimidade nessa posição. Como as pessoas são desinteressadas e racionais, não podem escolher um princípio utilitário porque não garante vantagens e/ou direitos para uma minoria em benefício de uma maioria.
   A posição original seria suficientemente capaz de simular as condições ideais de igualdade para escolher os princípios directores da sociedade. Esta igualdade é o pilar de toda a sua teoria. O que deveria ser escolhido no momento do pacto inicial não seria nada mais nada menos que a estrutura fundamental da sociedade, isto é, os seus alicerces. Então, o contrato original é fundado nos princípios da igualdade e da diferença que são basilares no seu sistema de justiça, responsáveis e equacionam toda a estrutura das instituições justas. O bom equilíbrio destes princípios traduz-se no bom equilíbrio das instituições sociais.
    O princípio da igualdade regula as liberdades básicas que devem ser iguais para todos os pactuantes (liberdade política, liberdade de expressão, de reunião e de consciência), e o princípio da diferença corrige as desigualdades da aplicação do princípio da igualdade.

 Rawls afirma que, sendo impossível erradicar a desigualdade entre as pessoas, o sistema institucional deveria prever mecanismos suficientes para o equilíbrio das deficiências e desigualdades, de modo a que estes se voltassem em benefício da própria sociedade.
  Rawls reconhece que, através do “véu da ignorância”, os escassos princípios são “certos” por serem “equitativos”. “Todos têm os seus planos de vida, o «bom» é o necessário para se cumprir o plano, assumindo circunstâncias favoráveis como por exemplo a oportunidade".
  Para Rawls, a justiça é o cumprimento de dois princípios gerais. No primeiro, cada pessoa tem o direito igual ao maior número e mais alargadas liberdades básicas compatíveis com liberdades dos outros. No segundo, as desigualdades sociais e económicas são possíveis quando resultam na vantagem de todos e estão acessíveis a todos.

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