sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Evolução Federal em Espanha

O sistema espanhol representa uma “federação incompleta”. A forma de governação regional espanhola tornou-se num Federalismo com outras forças na construção democrática. Estas forças, para Bañón e Elazar, incluíam a construção do próprio Governo representativo e de uma burocracia responsiva; enfrentar os desafios de um Estado social; a promoção de uma democracia social e do envolvimento da Espanha na Comunidade Europeia.
A evolução em Espanha representa um federalismo "pós-moderno", ou seja, a reconstrução dos Estados reflectindo a mudança paradigmática para uma não centralização (noncentralization) federal baseada em formas de divisão do poder. Entende-se por “noncentralization” como sendo uma forma de garantir, na prática, que a entidade a participar no exercício do poder político não pode ser retirado em geral, ou os governos estaduais, sem comum acordo.
A este respeito, é necessário definir alguns termos: "federal" é usado para indicar a sua maior utilização histórica de incluir uma variedade de contratos federais (federal arrangements). “Federalismo” refere-se à recomendação, apoio activo e movimento em direcção a uma autonomia constitucional e “Federação”, por sua vez, refere-se mais restritamente a um "contrato institucional de facto" (institutional arrangement of fact), onde o governo central inclui unidades regionais na sua decisão sobre algum procedimento bem estabelecido constitucionalmente.
O primeiro princípio do federalismo “pós-moderno” a ser demonstrado através da experiência espanhola é a de que uma federação constitucionalmente criada não era vista como a rota para o federalismo. Era sim, desenvolvida a partir de um regime federal não-constitucional que estimulava a autonomia. Para Carl Friedrich, o federalismo tem vindo a ser vulgarmente conhecido como o processo pelo qual políticas distintas entram em consenso para actuarem juntas. Também, poderá ser visto como o processo pelo qual uma política unitária se torna diferenciada num conjunto organizado federal. “Relações federais são relações oscilantes da própria natureza das coisas” (Friedrich 1968: 7).
A transição espanhola elevou-se a uma das primeiras “revoluções de veludo” (“velvet revolutions”) em que a democracia foi instaurada pacificamente dentro de processos constitucionais e legais existentes. Com o processo da criação da Constituição, as várias posições políticas tiveram de fazer escolhas no que diz respeito ao exercício da autoridade política. A Extrema-Direita Franquista queria conservar o Estado unitário e centralizado e resistir a qualquer menção de grupos étnicos ou “nacionalidades” presentes na Constituição. Por seu lado, a Esquerda queria uma espécie de “federação plurinacional” (“plurinational federation”). O Rei Juan Carlos e o Presidente Adolfo Suárez favoreceram a resolução da questão regional com um Estado unitário descentralizado. Suárez que liderava o partido de coligação centro-direita, UCD, favoreceu uma forma de autonomia regional. “Suárez favoreceu uma descentralização administrativa mas resistindo a uma autonomia ou federação e foi, pela primeira vez, consentido pela maioria dos partidos tanto à esquerda como à direita.”
A Constituição consignou um sistema de três níveis (“three-tiered system”) incluindo um novo governo regional de segundo nível (“new second-tier regional government”). Para além do Governo Central, a Constituição permite que o país se possa organizar em “municípios, províncias e regiões autónomas”, sendo estes auto-governados. Cada Governo territorial possuiu um órgão legislativo unicamaral eleito (Assembleia), um Conselho de Ministros do Governo (“cabinet”), um corpo administrativo e possui alguns poderes exclusivos bem como uma série de competências. As Comunidades Autónomas (que são ao todo 17 em Espanha) têm o direito de iniciativa legislativa no parlamento e os seus poderes e deveres emanam da Constituição e dos seus estatutos autónomos originais (“original autonomy statutes”). Estas Comunidades Autónomas são controladas por assembleias regionais (“single-chamber assemblies”), eleitas em ciclos de quatro anos que por sua vez elegem um presidente e um executivo regional e operam com ministros regionais. Em cada território, os partidos políticos e os sistemas eleitorais têm surgido ou através de versões regionais dos principais partidos espanhóis ou então através de partidos regionais nacionalistas que suportaram as Comunidades Autónomas através de eleições regionais bem como preocupações gerais.
O segundo princípio refere-se à evolução pactuada através de acordos negociados. Embora não se negue a base da federação conventual, distintas formas federais podem surgir através de pactos não-federados. Tais sistemas podem demonstrar crítica de funcionalidades federais, tais como a autonomia constitucionalmente enraizada (“constitutionally entrenched autonomy”) e “auto-regra e regra partilhada” (“self-rule plus shared rule”) (Elazar, 1987a). Durante o período da pré-constituição (1975-78) e na própria Constituição espanhola, os responsáveis pela mesma, estavam relutantes em rotular como um sistema federal devido às suas múltiplas implicações. O termo “federal” também não poderia ser utilizado para não ser, de forma alguma, reconhecidas nenhumas alegações aos nacionalistas étnicos que se poderiam basear na noção histórica que Estados independentes poderiam formar um Estado-Maior. A Constituição é, no entanto, claramente construída nos princípios de unidade nacional e incorporação plural de princípios, envolvendo a autonomia de uma variedade de interesses respectivos, incluindo as subunidades de governação. A unidade nacional é conjugada com o princípio da solidariedade entre as regiões e os estados. Encontrar a linha entre unidade e diversidade tem sido o principal desafio.
O terceiro princípio fala-nos sobre a complementar construção de instituições democráticas e da distribuição territorial do poder. Os processos de construção do “estado de las autonomías” e da democracia são “duas faces da mesma moeda”. Como diz Diaz-López (1956: 266) “as ideias da democracia e autonomia foram inseparáveis de tal forma que o processo de descentralização política em Espanha considera-se fundamental à liberdade e à democracia”. No que diz respeito à democracia e autonomia, Schmitter (1993), refere-se ao fomento da autonomia local como uma possível componente da sequência transformadora de processos comuns a tais transições.
A componente de democratização governamental tem sido discutida em relação à construção das 17 Comunidades Autónomas. Este é o desenvolvimento mais importante de como um Governo que era considerado fraco mas altamente centralizado, lenta e relutantemente tornou-se num Governo com poderes descendentes. Os Governos locais também tiveram de se tornar parte do novo regime democrático. A transição desencadeou conselhos (diputaciones) provinciais eleitos nos territórios onde as províncias não foram fundidas com as Comunidades Autónomas juntamente com conselhos eleitos. Enquanto os conselhos têm vindo a perder as suas funções para as Comunidades Autónomas, corporações municipais de grande envergadura suportam grandes responsabilidades de serviço.
O sistema eleitoral ligado aos três níveis é, claramente, entre os aspectos mais importantes de democratização. O número de transições eleitorais que têm ocorrido marca o surgimento de democratização. O governo nacional foi controlado pelo PSOE a partir de 1982. Contudo o controlo subnacional é mais variável, com predominância étnica do partido nacionalista no País Basco e na Catalunha, e o principal partido da oposição, PP, controla as maiores cidades.
O quarto princípio baseia-se nos conflitos centro-periferia. O problema da periferia foi que, durante o período Franquista, muitos catalães e bascos estavam dispostos a admitir que Madrid poderia ser o Governo de seu "Estado" mas não representava a sua identificação nacional. A questão central é a medida em que o “estado de las autonomias” contribuiu para acomodar o reconhecimento das minorias étnicas subnacionais de demandas por meio dos seus direitos. Primeiro a autonomia libertou os governos das suas áreas periféricas que detêm poder sobre decisões importantes e cargos públicos. Enquanto um poderia ter problemas com as competências particulares que lhe têm sido atribuídas, as Comunidades Autónomas assumem responsabilidades pelos serviços da comunidade, assuntos culturais, entre outros que significou um crescimento da etnia subcultural apoiada pela auto-governação. Em segundo lugar, algumas políticas públicas entre o centro e periferia têm tentado encontrar um equilíbrio entre unidade e diversidade. Por fim, a representação do partido nacionalista e controlo das Comunidades Autónomas fornece uma manifestação eleitoral de etnia subnacionalista que serve de partilha do poder.
O último princípio é o papel dos compromissos federais no desenvolvimento de um estado de bem-estar espanhol ao longo das linhas europeias. Conforme Rose (1985), “o trabalho rotineiro do Estado moderno opera funcionalmente através dos múltiplos níveis mas contam com "níveis mais baixos" para levar a cabo programas centralmente autorizados, financiados, e regulamentados. Embora altamente favorável dos regimes de Governo Autónomo, o Tribunal Constitucional tem tomado uma série de decisões, preservando o poder do governo nacional para fiscalizar, supervisionar, e até mesmo intervir no âmbito de assuntos das Comunidades Autónomas. O tribunal tem afirmado que, embora gerais, regionais e locais os interesses podem ser claramente diferenciados e as instituições centrais têm plena responsabilidade pela promoção e protecção dos "interesses gerais".
Em síntese, o Estado das Autonomias pode ter sido originalmente concebido para ser unitário com a devolução das funcionalidades autónomas, mas está cada vez mais federal. O desenvolvimento operacional do negócio constitucional revela um conjunto de dinâmicas políticas e ajustamentos operacionais que se enquadram nas novas modalidades. O desafio de governar dentro da Constituição pós-franquista inclui significativos contratos de governação de segunda linha, construindo, assim, uma forma criativa de federalismo. Não há dúvida, também, que muitas forças que levaram à transformação política na Espanha (transferência do poder dos estados), oferecem lições para outros estados em conversão. A construção de novos sistemas políticos exige trabalho através do processo de "convivência civil”. O federalismo Espanhol é, segundo Robert Agranoff, “uma forma incompleta de federação clássica”. O Senado representa os territórios de uma forma fraca e tem menos poder que o Congresso de Deputados no que diz respeito à matéria de legislação e controlo do Governo. A contínua valorização do regime federal é o mais provável rumo ao futuro. Portanto, a derradeira questão que se coloca: não é se a Espanha se torna uma federação, mas se as regras federais que se tornaram no modo de governo espanhol vão reforçar a sua estabilidade e promover as outras vantagens que tal Governo pode trazer.

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