domingo, 26 de julho de 2009

A abstenção, estudo de caso entre 1989 e 2002


Tem-se verificado que nas últimas décadas tem havido um decréscimo na participação eleitoral nos países europeus. Desde do final da década de 70 e inícios de 80 que se tem notado isso em Portugal, ou seja, um pouco antes que nos países europeus. Contudo, existem países em que esta tendência não é visível, como por exemplo a Dinamarca. Ou que a flutuação da taxa de participação é tão grande que não permite concluir claramente se há ou não esse decréscimo (exemplo: Espanha).
Estas modificações são explicadas através dos processos sociais e políticos, com base no comportamento político dos cidadãos. Estas explicações apontam em vários sentidos, que podem ser a base da capacidade (ou falta de capacidade) da mobilização eleitoral dos cidadãos, sendo: Um menor poder interventivo e regulador do Estado, pois a sociedade (europeia) é cada vez mais globalizada; a transformação do Estado-Providência; ou até mesmo da necessidade de reforma do sistema político, entre outros factores.
Contudo, segundo José Manuel Viegas e Sérgio Faria avançam com um modelo explicativo que assenta nos “recursos materiais e simbólicos, nos níveis de integração social e cultural, bem como nas atitudes e identidades políticas e ideológicas” que são variáveis explicativas utilizadas pelo eurobarómetro de 89 (EB31A/89). Estes dados foram, também, cruzados com uma pesquisa internacional “Citizenship, involvement, democracy” (CID/2002) para se averiguar se estas variáveis se mantinham explicativas.
Para analisar a evolução dos factores individuais que explicam a participação eleitoral, José Manuel Viegas e Sérgio Faria consideraram os dados recolhidos nos já referidos EB31A/89 e CID/2002. Antes de se avançar para as análises e como afirma Eva Perea, é possível distinguir diversos tipos de incentivos individuais à participação eleitoral: O nível de recursos, idade, instrução, rendimento, estado civil, grau de religiosidade e grau de envolvimento político como por exemplo, interesse pela política, proximidade a esta ou, então, filiação partidária. Os países seleccionados foram a Alemanha, Dinamarca, Espanha, Holanda e Portugal. Para se verificar os factores fundamentais da participação eleitoral, José Manuel Viegas e Sérgio Faria dividiram as variáveis em dois blocos e utilizaram o modelo da regressão logística – tanto nos dados de 1989 como 2000 –. O primeiro bloco abrange as variáveis de integração e recursos materiais e simbólicos, ou seja, «habitat»; «idade», «nível de escolaridade», «situação conjugal», «situação face ao trabalho» e «frequência de práticas religiosas». Estas variáveis contêm factores de integração social e de recursos que facultam um melhor domínio simbólico e prático dos factos políticos, bem como, por sua vez, atribuem factores de condição e interesses que se bosquejam no espaço político.
O segundo bloco de variáveis explicativas engloba, por sua vez, a «satisfação com o funcionamento da democracia», o «interesse pela política», a «proximidade a um partido político» e a «saliência da identidade ideológica».
Com a análise feita, constata-se que na diferença dos treze anos (de 1989 para 2002), a “variância total explicada diminuiu significativamente” nos países exceptuando a Holanda (José Manuel Viegas e Sérgio Faria). Em Portugal, assistiu-se a uma redução em 10 pontos percentuais na variância explicada. Com os resultados originados em termos de blocos de variáveis e considerados as variáveis no âmbito da integração social, assiste-se ao mesmo mote de descida da variância explicada em todos os países – excepto na Holanda – A «idade» mantém-se como um factor forte em todos os países em ambos os momentos. Por seu lado, o factor «situação face ao trabalho» como factor importante nos resultados de 2002 na regressão logística.
No que diz respeito ao primeiro bloco, os resultados vão ao encontro com as expectativas. Nos países onde as democracias estão consolidadas há mais tempo, nota-se que estas tendem a esbater as diferenças quer ao nível da integração social, quer na distribuição dos recursos. Contudo, quando se examinam as variáveis do segundo bloco, e segundo José Manuel Leite e Sérgio Viegas, assiste-se a uma perda da capacidade explicativa dos factores de participação eleitoral introduzida, no primeiro bloco, não é compensada pelas variáveis atitudinais do campo político, onde as componentes do envolvimento político tendem a diminuir o seu impacto sobre a participação eleitoral de 1989 para 2002, uma vez que as variáveis «proximidade a um partido político» e «saliência da identidade ideológica», que são factores de mobilização eleitoral, perderam valor explicativo.
Para se aprofundar esta análise, calcularam-se os coeficientes de correlação linear entre a participação eleitoral e as diversas variáveis que dizem respeito às atitudes e identidades políticas. A correlação entre a «participação eleitoral» e «interesse pela política», de um ano para o outro, só diminuiu em Portugal, permanecendo estável ou, até mesmo, crescente nos restantes países. No que diz respeito à correlação entre a «participação eleitoral» e «proximidade a um partido político», assiste-se a uma diminuição do coeficiente de correlação entre as variáveis – com excepção na Holanda –, facto esse, que vai ao encontro com outros estudos já feitos. A evolução dos resultados na variável «satisfação com o funcionamento da democracia» declara a mudança que se está a verificar no comportamento eleitoral. Em 1989, esta variável não tem peso significativo (excepto no caso holandês) contudo, surge, em 2002, como coeficiente expressivo (com a excepção de Portugal). Não havendo dados adequados, José Manuel Viegas e Sérgio Leite afirmam que pode “interpretar-se a relação entre a «satisfação com o funcionamento da democracia» e a participação eleitoral como um sinal da importância crescente das avaliações da conjuntura na decisão do cidadão votar ou não”.
Num outro momento, os conjuntos das variáveis que foram examinadas no modelo de regressão logística para 2002, adicionou-se um maior número de factores para analisar se é possível obter um maior número da variância explicada no fenómeno da participação eleitoral. Introduziram-se, então, diversas variáveis independentes e tentou-se dar um enfoque, que antes não tinha sido dado, ao capital social, privilegiando-se o indicador «confiança nos outros»; foi também introduzida a variável «satisfação com a vida» - sendo possível, então, avaliar a auto-apreciação dos inquiridos. Embora esta última variável não seja uma “medida de capital social”. Esta variável juntamente com a «confiança nos outros» sintetiza referências extrínsecas ao domínio público.
No bloco onde estão inseridas as atitudes políticas, consideraram-se novas variáveis; a «importância da política»; «interesse pela política» ou «proximidade a um partido político» e «sentimento de eficácia». No entanto, as outras três variáveis possibilitam alargar a cobertura no âmbito atitudinal. Através do «sentimento de eficácia política» retira-se “a sensação que os indivíduos têm da sua capacidade da influência sobre as decisões com impacto colectivo, por via da avaliação que fazem da disponibilidade dos agentes políticos e da distância a que os percebem”. Com a «importância dos valores de debate democrático» podem-se estimar duas orientações valorativas: Por um lado, importância das opiniões próprias e, por outro lado, a importância de usar essas mesmas opiniões numa observação crítica. No que diz respeito à «importância da obediência às normas», anui-se que “representam os comportamentos conformes para os inquiridos”.
No último bloco reuniram-se duas outras variáveis: A «satisfação com o funcionamento da democracia» - que já foi considerada anteriormente – e, uma nova, a «confiança nas instituições políticas» em que ambas traduzem uma relação com o plano político institucional.
No que diz respeito à “performance” deste novo modelo, José Manuel Viegas e Sérgio Faria afirmam que se adquiriu um aumento do total da variância explicada. No caso alemão, espanhol e português assistiu-se a um maior aumento, no caso dinamarquês este aumento foi menor e no caso holandês não se assistiu a aumento nenhum.
São nestes dois últimos casos em que o novo «bloco 2» se assiste a uma maior variância explicada. José Manuel Viegas e Sérgio Faria fazem duas observações: O referido ganho da variância explicada é comparativamente pequeno em todos os países analisados; e, em segundo, na Dinamarca a «satisfação com a vida» torna-se numa variável estatisticamente significativa, enquanto na Holanda é a «confiança nos outros» que se diferencia neste bloco. Isto é, na Dinamarca, há uma maior tendência para a abstenção eleitoral quando a satisfação com a vida é menor. Por sua vez, na Holanda, quando a confiança nos outros é menor, a abstenção será maior. No que diz respeito a Portugal, há uma maior tendência para a abstenção nos indivíduos que revelam maior satisfação com a vida. Isto leva-nos a crer que o “sentimento de conforto” leva à ausência do voto. Por seu lado, os que estão mais insatisfeitos, que são provavelmente os afectados pela distribuição social, inclinam-se a ver a política como um meio para melhorarem a sua situação, congregando a sua insatisfação com os resultados da acção política.
O terceiro bloco de variáveis é aquele em que, em termos relativos e para todos os países, os factores mais determinantes para a participação eleitoral. Em Portugal, a «importância da política» é o terceiro preditor com maior peso explicativo da abstenção. No que diz respeito ao «interesse pela política» deixa de ser um factor estatisticamente significativo.
A divergência entre a «importância da política» e o «interesse pela política» vai ao encontro das reflexões que afirmam haver um sentimento de que a política – ou os agentes partidários – pouco conseguem fazer face à globalização e estratégias de mercados.
Antes de se falar no plano político institucional, Eva Perea afirma que “os factos institucionais são apenas um de muitos tipos de variáveis contextuais que podem influenciar a participação eleitoral. Porém, estes factores podem ser “modificados mais facilmente do que os outros elementos do sistema político”, como, por exemplo, o sistema partidário, os padrões de competitividade ou mesmo a cultura política. As instituições são excepcionalmente o resultado de um plano inteiramente racional, “sendo mais frequente o produto de compromissos entre os diferentes e contraditórios interesses dos vários actores políticos” (Eva Perea). Estas podem ser reformadas consoante a vontade humana, então, a reforma institucional constitui um aparelho permissível para resolver alguns problemas actuais dos sistemas democráticos, sendo um desses problemas os níveis de participação eleitoral. As propostas que apontam para o aumento dos níveis de participação, segundo Eva Pera, podem ser agrupadas com base em dois princípios: O primeiro, tem as que são propensas a produzir mudanças directas no comportamento, isto é, a finalidade é fazer com que os eleitores vão às urnas; em segundo lugar tem-se “as iniciativas que visam aumentar o envolvimento eleitoral consoante a promoção de sentimentos e atitudes propícios à participação” (Eva Perea).
No que diz respeito ao plano político institucional, observa-se que a «confiança nas instituições políticas» aparece como factor importante apenas para a participação em Espanha, por outro lado a «satisfação com o funcionamento da democracia» é variável explicativa apenas para a Holanda. Tanto para a Alemanha como para a Espanha esta variável deixou de ser um coeficiente estatisticamente significativo.
José Manuel Viegas e Sérgio Faria concluem que parece difícil descobrir quais são os padrões explicativos da abstenção eleitoral nos vários países considerados. Na maioria dos países, constata-se que o agregado das determinantes sociais de abstenção eleitoral já não tem o mesmo impacto que tinha anteriormente. Não sendo irrelevantes, contudo. Quando se alargou o número de variáveis independentes no segundo exercício de regressão logística, alguns factores de integração social continuaram a condicionar a participação eleitoral. Os jovens são os que mais se abstêm. Em Portugal e Espanha, descortinou-se que, em 2002, a «situação conjugal» e a «frequência de práticas religiosas» afectam a participação eleitoral.
No que diz respeito aos factores de integração política, são estes que se destacam na explicação da participação eleitoral.
Quando se comparam os resultados da regressão logística para os anos de 1989 e 2002, apurou-se que, em 2002, a «satisfação com o funcionamento da democracia» tornou-se factor determinante, notando-se, aqui, a consequência dos “factores da avaliação da conjectura”.
Em suma, com esta análise global, pode afirmar-se que nos países do Centro e Norte da Europa, que têm democracias consolidadas há mais tempo, os factores de envolvimento político e valor cívico são os que têm maior impacto na mobilização eleitoral. Por sua vez, nos países do Sul da Europa, que têm democracias mais recentes, são os factores de integração social e moral mais importantes para o acto de votar ou não.

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