domingo, 26 de julho de 2009

Estado-Providência e Estados Sul da Europa

   É relevante, antes de se analisar as várias questões levantadas, definir alguns conceitos que são basilares para a compreensão de toda a problemática que irá ser discutida. Como tal, Estado-Providência é “caracterizado como sendo um fenómeno geral da modernização, como um produto, por um lado, da crescente diferenciação, desenvolvimento e extensão das sociedades e, por outro, como um processo de mobilização social e política” (Flora e Alber).
  Pretende-se que, neste texto, seja abordada a questão do Estado-Providência e da sua transição ao longo dos anos com base na questão da globalização e os Estados da Europa do Sul (principalmente Itália e Espanha e, por vezes Portugal e Grécia). Enquanto muitos autores afirmam que o Estado-Providência está em transição, outros, indo mais longe, afirmam que existe um Estado-Providência tipicamente dos estados do sul (“Southern Welfare State System”).
    Como afirma Mozzicafreddo, as funções do Estado devem sofrer alterações consoante as necessidades, problemas e expectativas que não conseguem ser resolvidas, como por exemplo o desemprego, exclusão social e assegurar o crescimento económico. As funções do Estado, que estão relacionadas entre si, podem ser expostas da seguinte forma: Por um lado, a problemática do Estado-Providência quanto à sua estrutura, função e, sobretudo, quanto à sua adequação ou não face à realidade social e, por outro lado, as actuais tendências de redefinição do papel que o Estado exerce na esfera social e económica. Mozzicafreddo afirma que “a redefinição do papel do Estado na sociedade, tendo em conta as implicações do processo de integração comunitária, tem a ver com a estrutura e funções do Estado-Providência”. Esta redefinição, segundo o autor, insere-se na temática sobre a adequação das funções sociais e económicas, desse modelo político, à realidade contemporânea social com base na complexa evolução e transformação nos últimos anos. Mozzicafreddo afirma, também, que a concertação social é um dos pilares do modelo de Estado-Providência, uma vez que a sua estrutura e funções foram modeladas através da negociação entre o poder político e as elites socioeconómicas.
    O Estado é considerado como “sistemas de funcionamento que não apenas estruturam as relações entre a sociedade civil e a autoridade política, mas também estruturam as relações de poder fundamentais dentro da sociedade civil” (Mozzicafreddo). Então, e segundo Birnbaum e Badie, o Estado é o resultado do processo de diferenciação e de regulação e, conjuntamente, o motor da diferenciação das sociedades.
   O sistema político é, então e segundo Luhman, entendido como um processo diligente e emaranhado de procedimentos com capacidades para integrar as exigências e pressões dos sistemas sociais, de alterar as suas próprias configurações na adaptação às reclamações produzidas pelos diferentes sectores da sociedade. Estas exigências condicionam a evolução da estrutura das funções do sistema político.
   A estrutura formal e substantiva do Estado-Providência foi sendo organizada para responder aos problemas e necessidades e identifica-se em funções que estruturam a matriz deste tipo de Estado. Esta dimensão estrutural determina um conjunto de normas que estabelecem um modelo contratual de acção e consolida a institucionalização das funções de regulação (social, económica e política). A dimensão estrutural do Estado-Providência é fundamental para a compreensão da configuração política e, também, do modelo basilar desta forma de composição das sociedades. É, nesse caso, encarado que “a sistematização destas dimensões do Estado-Providência ao modelo contratual base e às suas características estruturais, é igualmente importante para o entendimento tanto dos limites e possibilidades da sua transformação, como à percepção dos problemas que o funcionamento deste modelo levanta” (Mozzicafreddo). Sendo os problemas, a segmentação do mercado laboral; exclusão social; e o peso fiscal e orçamental da expansão do Estado. Existe, então, um programa que reorganiza as regras do mercado para tentar: Diminuir o grau de incerteza social; estabelecer serviços sociais e procedimentos de igualdade de oportunidades para todos os cidadãos; assegurar às pessoas e às famílias um nível mínimo de rendimentos independente dos resultados do mercado e, por fim, integrar mecanismos de cidadania. Estes mecanismos de regulação caracterizam-se em três formas de acção pública. Primeiro, encontram-se sistemas de acção que têm como objectivo criar condições para o funcionamento eficaz da economia de mercado. Depois, o papel desempenhado na dinamização da esfera económica e de regulação das disfuncionalidades do mercado e, por último, o conjunto de regras de enquadramento da economia que constituem a chamada “economia administrada” (Mozzicafreddo).

  Será, então, que existe um “Sistema de Estado-Providência do Sul”? (Southern Welfare State System). 
Esping-Andersen afirma que os Estados-Providência italianos e espanhóis partilham características típicas do sistema conservador alemão (o chamado modelo Bismarckiano), uma vez que os Estados-Providência sulistas mostram uma forte compromisso ao chefe de família masculino – ainda mais que nos estados Conservadores da Europa do Norte. Existe uma forte tradição cultural e religiosa no desenvolvimento do Estado-Providência, juntamente com a forma como a família e os papéis dos géneros são atribuídos (Esping-Andersen, Castles e Kersbergen). Katrougalos considera, também, que os Estados-Providência do Sul são menos desenvolvidos do que o modelo Conservador. Leibfried vai ainda mais longe, dizendo que estes pertencem a um distinto e rudimentar modelo.
   Contudo, Ferrera defende a existência de um modelo diferente nos países do sul da Europa e define três características básicas para este modelo. Primeiro os pontos importantes para o acesso de provisões de bem-estar e ideologia de bem-estar combinam serviços de bem-estar (welfare services) baseados na tradição social-democrata com transferências da renda (“income transfers”). Segundo, o autor argumenta que, os Estados-Providência do Sul privilegiam ainda mais o mercado de trabalho que os Estados-Providência Conservadores. Privilegiam, também, os mais idosos em relação às pessoas que trabalham, uma vez que as pensões/reformas são mais importantes que subsídios de desemprego, salários mínimos, etc. E em terceiro, os estados do Sul mostram um perfil de “clientelismo particular” (particularistic-clientelistic), ou seja, as instituições de bem-estar público são altamente vulneráveis a pressões e manipulações. Ferrera afirma que a manipulação do bem-estar social ganha forma de “clientelismo político” (political clientelism), ou seja, favores em troca de apoio das organizações públicas. Segundo Ana Guillén e Santiago Álvarez os dois primeiros pontos de Ferrera são geralmente aceites, o terceiro não o é. Uma vez que afirmam que as práticas de “clientelismo” não são tão difundidas no Estado-Providência do Sul para considerar que seja uma característica de diferenciação ou uma característica básica deste sistema. Todavia, pode-se facilmente deduzir da análise de Ferrera que existem desvios significativos do modelo de Estado-Providência do sul do modelo Conservador/Bismarckiano. Consequentemente, é possível falar num distinto padrão de providência do Sul dos outros estados-providência. Isto porque os serviços de bem-estar ficaram como as providências Sociais-democratas. Desta forma, são dirigidos para a população inteira, como direitos da cidadania, e financiado fora dos rendimentos do estado. Isto conduziu a uma mistura das tradições Bismarckianas e Social-democratas que podem ser estabelecidas como características básicas do modelo do Sul de Estado-Providência.
    Poderá, então, falar-se de regime do Sul de bem-estar? Os regimes de bem-estar são construídos em diferentes princípios que os diferenciam dos outros. Assim, pode-se discutir que os Estados de Bem-Estar liberais mostram uma preferência desobstruída para o mercado como um método superior de distribuição «vis-à-vis» do estado. É, também, visada ou fixada a liberdade de escolha para os indivíduos que são considerados capazes de enfrentar riscos. Os Regimes conservadores/corporativos são baseados, por sua vez, no modelo chefe de família e, finalmente, os regimes Sociais-Democratas são predicados em direitos públicos individuais como direitos da cidadania. Um princípio de diferenciação básico possível de Estado de Bem-Estar do Sul poderia ser o que foi denominado como “familiarismo” dos países europeus do sul, significa que as famílias prevêem uma larga escala de serviços de bem-estar. Alguns estudos mostram que o tamanho das famílias está correlacionado com os níveis de desenvolvimento económico, a média, em 1991, do tamanho das famílias era 3.3 pessoas em Espanha, 3.1 em Portugal, 3.0 na Grécia e 2.8 em Itália, enquanto na U.E-15 era de 2.6. Alguns estudiosos relacionam o “familiarismo” com tradições culturais, ligadas mais ou menos com o Catolicismo e Democracia Cristã. Outros afirmam que não é pela tradição religiosa, mas a vontade das famílias em preservar os padrões face ao desemprego. Pode-se discutir que os Estados de Bem-Estar europeus do sul têm algumas características diferentes que os Estados de Bem-Estar europeus, mas é difícil falar num regime do sul do bem-estar como um princípio de base.
     O impacto das reformas dos anos 90 – na Itália e Espanha – mostram que a despesa total na protecção social continuou a crescer em Espanha a um ritmo similar àquele dos anos 80 (de 20.3% em 1990 para 23.6% em 1994), enquanto em Itália não cresceu ao mesmo ritmo. A pressão fiscal diminuiu ligeiramente em Espanha. Entretanto, nos últimos, a tributação cresceu muito menos do que nos anos 80. O impacto da racionalização mede o controlo do défice público.
     A Espanha mostra aumentos moderados (1990-95) na despesa em quase todas as áreas da política social. Inversamente, em Itália as diminuições ocorreram em benefícios de doença, saúde, família e políticas de crianças. A maior expansão nos dois países ocorreu na despesa na luta contra a exclusão social.
   Nada parece indicar que a globalização ou a integração europeia impôs directamente severas reduções em qualquer um dos Estados de Bem-Estar considerados. O que aconteceu foi uma diminuição no crescimento social da despesa, afirmam Ana Guillén e Santiago Álvarez. Será que os Estados de Bem-Estar do Sul mostraram um nível elevado de vulnerabilidade face às influências da globalização? Segundo Ana Guillén e Santiago Álvarez, os governos do sul perderam alguma autonomia, como outros governos europeus, quando enfrentaram a integração europeia e globalização económica. Contudo, isto não conduziu a uma redução drástica da protecção social a fim de ganhar concorrência económica nacional. Parece que os Estados de Bem-Estar do sul mostraram uma vulnerabilidade moderada às tendências da globalização, com um maior impacto na política macroeconómica do que nas políticas da protecção social.
  Pode-se, então, concluir, e segundo Mozzicafreddo, que os factores importantes na produção do “défice de solidariedade” e de exclusão social, no aumento do desemprego e constrangimento fiscal sobre os cidadãos, são algumas das consequências resultantes dos mecanismos instituídos nesta forma de funcionamento do Estado. A resolução destes problemas sociais conduzirá a uma redefinição do papel do Estado e dos parceiros sociais na sociedade. Esta redefinição não compromete somente as orientações programáticas, mas principalmente a procura de um compromisso entre os partidos políticos e as organizações sociais, económicas e profissionais relativamente às bases de um modelo contratual que oriente a redefinição do papel do Estado na sociedade e, também, o engenho e organização de instrumentos e mecanismos que habilitem institucionalmente os grupos sociais, sectores e temas não abrangidos na actual estrutura política. Tal como a dimensão estrutural do Estado-Providência, formou-se com um determinado contexto histórico e sociológico, a redefinição das suas dimensões constitutivas não poderá ser instituída independentemente das transformações, necessidades e interesses que os cidadãos revelam no actual contexto democrático de funcionamento e organização das sociedades.

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