domingo, 26 de julho de 2009

Sistemas Mistos: Caso Alemão


Os sistemas mistos tentam combinar elementos dos sistemas proporcionais e dos sistemas maioritários. Massicotte e Blais definem os sistemas mistos como “combinação de diferentes fórmulas eleitorais – pluralidade ou representação proporcional; ou, então, maioritário ou representação eleitoral – para a eleição de um mesmo órgão”.
Após esta breve definição, irá ser analisado o caso alemão para se tentar perceber a evolução que este país sofreu no seu sistema eleitoral.
Os eleitores, na Alemanha, têm dois votos: Um para o candidato num único membro de distrito e outro voto para o partido numa lista fechada. Os eleitores podem votar estrategicamente em diferentes partidos nos dois boletins de forma a influenciarem a formação de coligações.
O sistema eleitoral alemão, segundo Thomas Saalfeld, sempre foi visto como o arquétipo do Sistemas Mistos Proporcionais (SMP), que foi um modelo influente no projecto dos sistemas eleitorais pós-comunistas e pós-autoritários, bem como, na reforma dos sistemas eleitorais das democracias liberais mais “velhas” (Shugart and Wattenberg 2001).
O actual sistema eleitoral alemão é um sistema misto proporcional com sistema de dois níveis de distritos (“two-tier districting system”). Jesse (2001) caracteriza-o como um “sistema de representação proporcional, com restrição de uma cláusula-barreira de 5%. Cada eleitor pode votar duas vezes, isto é, um voto para o membro único do distrito (single-member district, abreviando SMD) e outro voto para uma lista com 16 partidos para o local (Land) onde reside. Os 598 lugares, onde 299 são SMD e 299 são lugares de lista (list seats), são alocados entre os partidos dependendo do número agregado de votos moldados para a lista “Land” dos partidos. O número de lugares no nível alto varia entre dois e 64, dependendo da respectiva população, ou seja, a região com população mais pequena fica com, pelo menos, quatro lugares e a maior fica com, pelo menos, 128 lugares na Bundestag. Para determinar e compor a Bundestag são usados quatro processos. Em primeiro lugar, todos os partidos que não consigam ultrapassar a cláusula-barreira dos 5% e não tenham ganho pelo menos três lugares de distrito directos, são eliminados da distribuição proporcional de lugares. Em segundo, a quota de LR-Hare é usada para calcular quantos lugares os partidos podem ocupar. Este cálculo é baseado no número total de segundos votos para cada partido a nível nacional. O terceiro passo determina, com a mesma quota, quantos candidatos de cada partido são seleccionados de cada “Land”. Este terceiro passo não é, contudo, aplicado ao partido CSU, uma vez que só concorre na Bavaria. Por fim, os vencedores de cada distrito são deduzidos do número de lugares para cada partido e a proporcionalidade é estabelecida, seleccionando-se o número de candidatos apropriados através das listas dos partidos. Os lugares em excesso, sem compensação para os outros partidos, tornaram-se a fonte mais importante de desproporcionalidade desde a unificação alemã, beneficiando, assim, os maiores partidos. Isto deve-se ao facto de que as listas dos partidos são feitas a nível local e não a nível nacional.
Pode-se afirmar que, segundo Saalfeld, existe um impacto no sistema partidário, uma vez que com a cláusula-barreira de 5% do nível regional para o nacional e com o reajuste de um lugar de distrito (one-district-seat) para três lugares de distrito (three-district-seat), reduziram largamente as oportunidades de alguns partidos regionais desempenharem papéis importantes a nível nacional. Assim, e embora o sistema eleitoral não obstrua novos participantes no mercado de partidos políticos, fornece, sim, aos partidos já estabelecidos algum espaço de manobra para responder aos desafios levantados pelos novos partidos.
A lei da República Federal apoia a descentralização dos principais partidos políticos alemães. A selecção dos candidatos do círculo eleitoral é controlada pelas organizações locais do partido e as listas para a “Land” são compostas em congressos das respectivas organizações dos partidos da “Land”. Muitas vezes, assiste-se às organizações dos partidos da “Land” a compensarem os candidatos dos círculos eleitorais com uma elevada posição (rank) na lista do partido, a fim de criar uma rede segura. Inversamente, os líderes de partidários regionais esperam por puros candidatos da lista do partido e encarregados, eleitos pela lista dos partidos, para funcionar em campanha do círculo eleitoral. Uma implicação importante é que os vencedores directos não têm um monopólio de representação do círculo eleitoral. A saliência das organizações partidárias, locais e regionais, no processo da nomeação e no serviço do círculo eleitoral de todos os Membros do Bundestag (MB) e dos candidatos, evita o desenvolvimento das duas distintas classes nos MB.
Não há nenhuma evidência que sugere que as variações na composição sócio-demográfica do Bundestag estejam ligadas às alterações legislativas eleitorais. No que diz respeito ao número de mulheres nos Membros da Bundestag, este aumentou de 7% em 1949 para perto de 1/3 em 2002. Contudo, as mulheres ainda estão longe de serem eleitas ao nível SMD. A percentagem de MB com nível de educação alto aumentou significativamente, outros indicadores sócio-demográficos continuaram seguramente constantes. Nenhuma destas alterações pode ser atribuída ao sistema eleitoral, uma vez que este permaneceu, desde 1956, inalterado. Pode-se, então, afirmar que o sistema misto alemão não produz duas classes distintas no MB. Segundo Klingemann and Wessels, sugerem que há diferenças estatisticamente significativas na auto-definição dos Membros da Bundestag eleitos directamente.
Stratmann e Baur encontraram que diferentes modos de eleição têm, também, consequências significativas no comportamento. Membros da Bundestag eleitos directamente num círculo eleitoral tendem a ser membros do comité que lhes permitem, assim, servir geograficamente círculos eleitorais. Membros da Bundestag eleitos por lista de partido tendem a ser membros de comités que servem de manutenção aos círculos eleitorais mais largos.
Jesse (2001) afirma que o voto estratégico, no que diz respeito ao voto personalizado, é restrito a alguns casos ocasionais. Um pode adicionar que os eleitores não têm nenhuma escolha do candidato dentro dos partidos ao do sistema eleitoral. Algumas investigações parecem apoiar a avaliação céptica do elemento personalizado. Bawn (1999), por sua vez, usa os níveis do distrito agregados para demonstrar que as eleições entre 1969 e 1987 são estatisticamente significativos, uma vez que são consistentes com a noção de um eleitor racional consciente, bem informado e que explora as oportunidades estratégicas de usar um voto personalizado.
Um dos principais objectivos – que foi atingido – das leis eleitorais introduzidas entre 1949 e 1956 era desenvolver um sistema justo e legítimo que evitasse dois dos maiores problemas da fragmentação da República de Weimar: A fragmentação do sistema partidário e instabilidade governamental. Após a consolidação do sistema do partido de república federal nos anos 50 e nos princípios dos anos 60, a estabilidade governamental foi relativamente elevada.
O sistema eleitoral é somente um entre diversos factores que contribuem para as condições favoráveis para a coligação de partidos no governo. Há diversos factores, tais como a política da centralidade (Smith 1976), na rápida recuperação económica após 1948, e na capacidade dos dois partidos principais, democratas-cristãos em particular, integrar os partidos potencialmente extremistas que representam, por exemplo, os interesses dos refugiados alemães de Europa Leste.
Em suma, a criação do sistema do misto alemão foi o resultado da aprendizagem e das elites históricas, que negociaram entre os partidos políticos relevantes. Reflectiu, assim, o interesse pessoal político dos actores, bem como, o interesse para a estabilidade e a legalidade do sistema político emergente de república federal. Embora o sistema eleitoral parecesse ter cumprido o seu objectivo, isto é, mantendo, por um lado, a equidade e legalidade e, por outro lado, criando condições favoráveis para níveis elevados da estabilidade parlamentar, este foi contestado até finais da década de 60. A cláusula-barreira de 5% protegeu, em certa forma, os partidos já estabelecidos dos novos partidos, dando-lhes, assim, algum espaço para ajustar as suas políticas.

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