domingo, 26 de julho de 2009

Eleições de Segunda Ordem

Pode-se afirmar que as eleições não são factos independentes das democracias quando estas têm por base um sistema partidário estável e já bastante consolidado. Isto determina que os resultados, de eleições consecutivas na mesma arena política, sejam bastante semelhantes aos da seguinte. Aplica-se, também, a eleições de diferentes níveis de um sistema político em que as eleições de nível principal propendem a influenciar os resultados das eleições a outros níveis – nomeadamente as eleições de segunda ordem. Como nos diz Campbell “os resultados das eleições intercalares americanas relacionam-se de uma forma característica com os das eleições presidenciais precedentes”.
Karlheinz Reif e Hermann Schmitt identificam dois tipos (ou categorias) de eleições que estão interligadas. Uma é geralmente muito importante à qual se designa eleições de primeira ordem. Estas, decidem quem ganha o poder e quais as políticas que irão ser administradas. A segunda categoria de eleições denomina-se de eleições de segunda ordem que são apreciadas como sendo menos importantes, uma vez que há menos coisas em jogo e, assim, assiste-se a um “voto com o coração” por parte do eleitorado. Temos, como exemplo, as eleições subnacionais, eleições supranacional dos deputados do Parlamento Europeu (Reif e Scmhitt, 1980). Como nos diz Schmitt, nas eleições de segunda ordem – em particular as eleições para o Parlamento Europeu – os resultados diferem das eleições de primeira categoria.
Centrando-nos um pouco em Portugal e nas eleições europeias de 2004. Podemos dizer que as eleições europeias, em Portugal, decorrem desde 1987 (Filipe Nunes), um ano depois da adesão à, então, CEE. Com base nos modelos do comportamento eleitoral e das teorias das eleições de segunda ordem, serão apresentadas questões que influenciam o caso português e, também, analisada de uma forma geral e sumária o resto dos países europeus.
Contudo, e antes de se passar às análises, convém abordar um pouco mais o conceito das eleições de segunda ordem. Como tal, existem três importantes modelos “de análise do sentido de voto e da participação eleitoral” (Filipe Nunes). São eles: O modelo sociológico, o sócio-psicológico e, por fim, o modelo económico do voto. No primeiro, como nos diz Freire, a participação eleitoral e o sentido de voto alternam conforme o acesso disponível da informação, a pressão à qual o eleitorado está sujeito e o próprio sector da actividade económica de cada sujeito. No modelo sócio-psicológico, predominam mais as variáveis atitudinais na explanação do comportamento eleitoral, rejeitando, assim, os factores de carácter político como função das características sócio-económicas dos indivíduos. No entanto, Filipe Nunes levanta uma questão pertinente “por que razão há eleições mais participadas do que outras no mesmo contexto económico e social?”. O modelo económico do voto responde a esta questão com a concepção de “utilidade do voto” em cada momento. Ou seja, o eleitorado apoia o governo em épocas de prosperidade económica e penaliza-o em períodos de recessão económica (Freire, 2001, p.77).

As eleições europeias de 2004

Em Portugal, estas eleições foram realizadas durante uma legislatura com governo de coligação entre PSD e CDS liderado por Durão Barroso. O governo era bastante impopular, uma vez que, para baixar o défice, o desemprego e o IVA aumentaram, houve uma redução do investimento público e os salários e as admissões na função pública foram congeladas. Isto levou a que todas as sondagens apontassem para uma derrota da coligação nas eleições europeias. Sem grandes diferenças programáticas no âmbito europeu, o PS tentou demarcar-se da coligação, na campanha eleitoral, com assuntos nacionais. Centrou, então, a sua campanha com acusações ao PSD de estar a tender mais para a direita, fruto da coligação com o CDS/PP; apostou no combate ao desemprego e criticou o Pacto de Estabilidade e, acima de tudo, tentou influenciar o eleitorado a dar “cartão amarelo” ao governo. O PCP e o BE abordaram os temas anunciados pelo PS, mas de uma forma mais “ideológica e eurocéptica” (Filipe Nunes).
Segundo os dados do inquérito pós-eleitoral, a maioria, ou seja 58% dos portugueses – percentagem inferior às eleições europeias de 1989 e 1999 – afirmou que esteve «pouco ou nada interessado» nesta campanha eleitoral. Uma das justificações dadas para este crescimento do interesse pela campanha foi a da morte de Soares Franco, cabeça de lista do PS. Contudo, isto não se verificou uma vez que 84% dos portugueses disseram que este acontecimento não teve efeito nenhum; ao cruzar-se informação verifica-se, também, que o resultado eleitoral do PS (46,4%) não é muito diferente do das sondagens (43,07%), a abstenção (61,4%) é também idêntica às eleições de 1999 (60,07%). 80% dos eleitores confessaram já estar decididos no que diz respeito ao seu voto antes da última semana de campanha, ou seja, o acontecimento acima referido não teve qualquer impacto nos resultados eleitorais.
Em 2002, segundo Freire, as duas grandes prioridades dos portugueses eram a saúde e a instabilidade económica. Com base na teoria económica do voto, quando existem contextos de crise económica, o partido que está no governo é sempre penalizado. Esta teoria, como diz Filipe Nunes, é comprovada nas últimas eleições legislativas. No inquérito pós-eleitoral que o seu texto analisa, os “principais problemas que Portugal enfrenta, passaram a ser o desemprego e a política do governo em geral” (Filie Nunes). Este panorama era ideal para a oposição portuguesa, uma vez que a esquerda é vista como mais eficaz ao combate do desemprego (Freire, 1001 p.83). Quase metades dos portugueses apontavam os assuntos predominantemente nacionais, principalmente a questão do desemprego, que deveriam ser os assuntos centrais da campanha. O PS foi de encontro a essas expectativas dos portugueses, obtendo o melhor resultado de sempre 46,4%. Contudo, 33% dos portugueses acham que nenhum dos partidos pode resolver o principal problema, isto é, a derrota da coligação, e segundo as teorias das “mid-term elections”, representou mais um aviso ao governo do que uma mobilização social pelo PS.
A avaliação da situação económica e avaliação do desempenho do governo são variáveis importantes na explicação da teoria das eleições de segunda ordem, principalmente quando estas são realizadas a meio de uma legislatura. Havia um maior optimismo em relação ao estado da economia, isto é, havia mais inquiridos que viam a economia portuguesa melhor do que pior. O pessimismo adjacente a este tema está claramente associado a negatividade face à União Europeia e à democracia portuguesa (Filipe Nunes). Há um reforço do declínio das clivagens sociais, uma vez que as explicações sócio-demográficas e sócio-económicas são pouco importantes. Segundo Campbell, as eleições europeias foram como um “referendo silencioso” ao governo em que os descontentes com este responsabilizaram os partidos que estavam no poder. Como nos diz Schmitt “uma diferença entre as eleições de primeira e segunda ordem é que os eleitores aproveitam estas últimas como uma oportunidade de baixo custo de expressarem o seu descontentamento em relação aos partidos do governo”. Schmitt afirma também que a popularidade do governo é cíclica, ou seja, existe uma euforia logo após as eleições de primeira ordem, aumentando ainda mais o apoio popular. Este apoio diminui bastante a meio do mandato, voltando a aumentar perto do fim do ciclo.
Há uma forte correlação entre a avaliação que se faz da situação económica e do desempenho do governo e entre o sentido de voto. Em Portugal, aqueles que “votaram nos partidos da oposição (61%) avaliam negativamente o estado da economia e a imagem do governo” e aqueles que, pelo contrário, votaram na coligação (34,6%) demonstram um optimismo económico, demonstrando, assim, uma imagem positiva do governo (Filipe Nunes).
Contudo, a participação eleitoral nas eleições de segunda ordem é bastante menor do que em eleições de primeira ordem. Isto deve-se ao facto de, como já foi referido anteriormente, não há tanto em jogo neste tipo de eleições. Contudo, isso não se verificou em 3 dos 25 sistemas eleitorais europeus analisados, como nos refere Schmitt. As excepções são: Irlanda, em que foi realizado em simultâneo um referendo; A Bélgica e o Luxemburgo onde é obrigatório ir votar e foram realizadas, em simultâneo, eleições regionais. Outro ponto que Schmitt identifica é a afluência bastante reduzida em alguns países membros pós-comunistas (Eslováquia, Polónia e a Estónia). Segundo Filipe Nunes, todos os dados apontavam, antes das eleições europeias, para uma elevada taxa de abstenção. Com base no Eurobarómetro 61, concluiu-se que os portugueses discordavam mais sobre a importância destas eleições do que a média europeia e, eram também, os cidadãos mais duvidosos a ir votar. Contudo, uma participação reduzida, não indica, segundo Schmitt, ilegitimidade. Indica, sim, uma falta de politização e mobilização eleitoral (Schmitt).
Pode-se, então concluir que as eleições europeias são marcadas por taxas de abstenção bastante elevadas, indo então de encontro com o modelo das eleições de segunda ordem. (Filipe Nunes). Os eleitores votam mais «com o coração», prejudicando os grandes partidos e, principalmente, os partidos que estão no governo. A participação eleitoral nestas eleições é baixa e os partidos pequenos obtêm resultados melhores do que nas eleições de primeira ordem. Schmitt levanta uma questão bastante pertinente “por que razão é que estas mudanças não modificaram a natureza das eleições para o Parlamento Europeu como eleições nacionais de segunda ordem?»
Há duas respostas: Uma mais simples que alguns cidadãos não se apercebem da “importância da União Europeia nas decisões políticas que afectam o seu dia-a-dia nem do papel que o Parlamento Europeu tem de desempenhar nesse processo de decisão” (Schmitt); a outra, mais complicada, e segundo Schmitt o defeito principal do sistema partidário europeu é a “ausência do antagonismo dominante governo-posição tão característico da maioria dos sistemas parlamentares”. Uma das razões apontadas para isto acontecer é a necessidade de cada vez mais se construir “maiorias parlamentares amplas para aumentar o peso da assembleia na luta pelo alargamento dos poderes do parlamento”. Outra razão aponta para a forma como o sistema de governação da U.E está organizado, que confronta dois órgãos “não partidários”, ou seja, a Comissão e o Conselho, a um parlamento partidário.
Há, também, uma diferença significativa das determinantes individuais do voto e da abstenção entre as legislativas e as europeias. Nas europeias, os resultados são condicionados pela avaliação da acção do governo e a situação económica. O que reforça a posição de que as clivagens sociais tradicionais perdem força. No que diz respeito à participação eleitoral, esta está fortemente ligada à idade e ao interesse pela política. Pode-se concluir que factores atitudinais e conjunturais que são essenciais em eleições legislativas, perdem importância explicativa da abstenção nas eleições europeias. Esta abstenção não está – ou não se pode concluir – ligada a atitudes negativas face à U.E ou à “oferta partidária” (Filipe Nunes).

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